segunda-feira, 25 de março de 2013

Apelos de amor perdidos

Antes de entrar em Jerusalém, no primeiro dia da Semana Santa, Jesus, detendo-se na ladeira do monte das Oliveiras, contemplou o espetáculo da Cidade Santa brilhando ao sol do amanhecer. Uma golfada de dor invadiu-lhe a alma, e seus discípulos viram cintilar lágrimas sobre
a sua face: Contemplou Jerusalém – diz São Lucas – e chorou sobre ela (Lc 19, 41).
Detenhamo-nos sobre essas lágrimas, pois elas nos falam. O Evangelho dá-nos todos os elementos para que possamos saber qual foi a sua causa e a sua significação. É certo que Jesus chorou naquela hora prevendo a destruição de Jerusalém, que no ano 70 seria arrasada pelas milícias romanas de Tito; mas não foi essa destruição – virão sobre ti dias em que os teus inimigos [...] te destruirão a ti e aos teus filhos (Lc 19, 43-44) – a razão principal das lágrimas de Jesus. É também verdade que Cristo sentiu uma dor profunda pela dureza de coração dos habitantes da
Cidade Santa, que o haviam rejeitado e, naquela mesma semana, o arrastariam para a Cruz:
Jerusalém, Jerusalém
– dirá dois dias depois, no Templo –, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados (Mt 23, 37). Contudo, quem lê atentamente o Evangelho vê que também não foi esta a principal causa da sua comoção.
No monte das Oliveiras, olhando para a cidade, Cristo iniciou um pranto que completaria na terça-feira no Templo. Revelou em ambos os momentos a sua dor, pronunciando palavras explícitas. No domingo, ao mesmo tempo que prorrompia em lágrimas, exclamou: Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas não, isto está oculto aos teus olhos (Lc 19, 42). Na terça-feira, acrescentou: Jerusalém, Jerusalém [...], quantas vezes eu quis reunir os teus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a tua casa ficará vazia (Mt 23, 37-38).
Guardemos bem, do conjunto dessas palavras, três expressões: Se conhecesses o que te pode trazer a paz, quantas vezes eu quis [...], e tu não quiseste, e a tua casa ficará vazia; porque nelas se revela a razão dessas lágrimas de Cristo. Por elas compreendemos que Cristo estalou de dor em Jerusalém porque previa antecipadamente outra dor, outra tristeza enorme para a qual muitos
homens e mulheres se encaminhavam e se encaminham também hoje cegamente: ...isso está oculto aos teus olhos.
Jesus sentia doerem-lhe na alma todos aqueles que, iludindo-se a si mesmos, julgam que só poderão alcançar a felicidade defendendo-se de Deus, isto é, esquivando-se à carga amável dos mandamentos de Deus e da sua graça; todos aqueles que se enganam imaginando que é possível realizarem-se à margem de Deus e contrariando os seus planos. É bem provável que só venham a abrir os olhos quando se lhes tornar evidente, com tristeza amarga, que “a sua casa ficou vazia”.
Não há dúvida de que havia muitos com este coração mesquinho em Jerusalém. As páginas do Evangelho apresentam um retrato especialmente vivo dos escribas e fariseus hipócritas (cfr. Mt 23, 13) – e a turba dos seus sequazes –, que se iam opondo num crescendo cada vez mais virulento à pessoa e à doutrina de Cristo, porque chamava à conversão, à autêntica pureza de vida. Tinham começado com insinuações difamatórias – mostrando-se escandalizados porque Jesus comia com os
pecadores
(cfr. Mt 8, 11) –, prosseguiram discutindo-lhe a doutrina e armando-lhe ciladas com perguntas insidiosas (cfr. Mc 2, 7; Lc 20, 21-22), e terminaram declarando insuportável o seu ensinamento (Jo 6, 60) e proclamando a necessidade de eliminá-lo sumariamente pelo bem do povo (Jo 11, 50).
Que acontecia, na realidade? Que a amorosa doutrina de Jesus, com as suas divinas
exigências, lhes perturbava o egoísmo aureolado de religiosidade, a ambição encoberta por aparências de zelo pelas coisas de Deus.
A esses “honestos” avarentos, cobiçosos, orgulhosos e sensuais, Cristo desmontava-lhes o disfarce de honradez com a sua mensagem de sinceridade, pureza, humildade, desprendimento e doação, que era para eles uma bofetada. Dura é essa doutrina – acabarão por bradar –, quem pode suportá-la? (Jo 6, 60). E os principais de Jerusalém, irritados com o povo mais simples, que se deixara cativar pelos milagres e pela pregação de Jesus, tentarão desmoralizá-lo, dizendo: Há acaso alguém entre as autoridades ou dos fariseus que acredite nele? Esse povoléu que não conhece a Lei é amaldiçoado... (Jo 7, 48).

Pe. Francisco Faus
Lágrimas de Cristo, lágriamas dos homens

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