Pequeno Ofício da Imaculda Conceição (Comentado)

Pequeno Ofício da Imaculada Conceição comentado



Salve, ó Virgem Mãe

Grande milagre operado pelo Onipotente

“Não há título maior que o de Mãe de Deus”, comenta o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira. “Contudo, Nosso Senhor Jesus Cristo preza tanto a virgindade que desejou fosse sua Mãe também virgem, operando em favor dEla um estupendo milagre que excede à nossa imaginação: Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto.
“Segundo a bela comparação que fazem os teólogos, assim como Nosso Senhor saiu do sepulcro sem esforço e sem nada quebrantar, assim deixou Ele o claustro materno, sem detrimento da virgindade de Maria Santíssima” 14.
Nossa Senhora, Virgem e Mãe! Eis um dos grandes milagres operados pela destra do Onipotente. O Doutor Melífluo, São Bernardo, viu nesta extraordinária ação da Providência, um dos privilégios que mais distingue a Virgem Santíssima de todas as outras criaturas:
“Não há coisa, na verdade, que mais me deleite, porém tampouco há que mais me atemorize, que o falar da glória da Virgem Mãe. Confesso minha imperícia, não oculto minha grande pusilanimidade. Porque (...) se me ponho a louvar sua virgindade, descubro que muitas outras foram, depois dEla, virgens. Se me ponho a exaltar sua humildade, encontrar-se-ão talvez muitos poucos, mas se acharão, que, a exemplo de seu Divino Filho, se fizeram mansos e humildes de coração. Se engrandeço a multidão de suas misericórdias, vêm-me à lembrança alguns homens e também mulheres que foram misericordioso.
Uma coisa há na qual Ela não teve antes par nem semelhança, nem o terá jamais, e foi em unir as alegrias da maternidade com a glória da virgindade. Ninguém duvida, com efeito, que se é boa a fecundidade conjugal, todavia é melhor a castidade virginal; pois bem, supera imensamente às duas a fecundidade virginal ou a virgindade fecunda. Privilégio é este próprio de Maria e que não se concederá jamais a nenhuma outra mulher. É prerrogativa singular sua e por isto mesmo inefável: ninguém poderá compreendê-la, nem explicá-la.
Que dizer, então, se nos lembrarmos de quem Maria se tornou Mãe? Que língua, fosse mesmo angélica, seria jamais capaz de louvar bastante a Virgem Mãe? Mãe, não de um qualquer, mas de Deus. Duplo milagre, duplo privilégio que de modo maravilhoso se harmonizam. Porque nem era digno da Virgem outro Filho, nem de Deus, outra Mãe” 15.
Semelhante é o pensamento de São Tomás de Aquino, ao comentar este versículo do Magnificat: “Porque em Mim fez grandes coisas o que é poderoso, e cujo nome é santo” (Lc. I, 49):
“Manifesta a Virgem que será proclamada bem-aventurada (...) “porque fez em Mim grandes coisas o que é poderoso”.
“Que grandes coisas Vos fez? Creio que [estas]: sendo criatura, daríeis à luz o Criador, e que sendo escrava, engendraríeis o Senhor, para que Deus redimisse o mundo por Vós, e por Vós também lhe devolvesse a vida. E sois grande, porque concebestes permanecendo virgem, superando, por disposição divina, à natureza. Fostes reputada digna de ser mãe sem obra de varão; e não uma qualquer mãe, mas a do Unigênito Salvador. A isto se refere o princípio do cântico, onde diz: “Minha alma engrandece o Senhor”. Só aquela alma, à qual Deus se dignou fazer grandes coisas, é que pode enaltecê-Lo com apropriados louvores.
Diz, pois: “O que é poderoso”, para que se alguém duvide da verdade da Encarnação, permanecendo virgem depois de haver concebido, refere este milagre ao grande poder dAquele que o fez” 16.
Considerando o extraordinário fato de Maria conciliar em si perpétua virgindade e a maternidade divina, exclama um piedoso autor do século passado:
“Ó Virgem, a maravilha é precisamente a virgindade fecunda: o milagre é precisamente vossa condição inaudita de Virgem Mãe! (...)
Ó Maria, Virgem Mãe, sois doravante um ideal que arrebatará todos os amantes da verdadeira beleza: Virgem Mãe, os doutores e os artistas tomar-vos-ão à porfia por sujeito de suas mais sublimes composições, e todos, após cansarem o próprio gênio, deporão a pena ou o pincel, sem ter podido exprimir tudo o que solicitava os ardores de seu anelo e os entusiasmos de seus sentimentos!
Virgem Mãe, nós Vos saudamos, fazendo eco às palavras do Anjo embaixador que falou, ele mesmo, sob o ditado de Deus! Se nos é tão caro considerar vossas grandezas, é que elas são o fundamento de nossa esperança em Vós. Vossa graça, divino amálgama de humildade e de pureza, revestiu um Deus de carne humana; e ela poderá me revestir da túnica da santidade!” 17.


Senhora minha

Desde a infância, Senhora do Céu e da Terra

Interpretando a etimologia do santíssimo nome de Maria, escreve São João Eudes:
“Maria significa Senhora. Efetivamente, a gloriosa Virgem é, desde a sua infância, Senhora soberana do Céu e da Terra, dos homens, dos Anjos e de todas as criaturas; e tem um poder absoluto no Céu, na Terra e no Inferno, sobre os demônios, sobre as coisas corporais e espirituais, e sobre todas as obras de Deus. E isto por três títulos: como primogênita [das criaturas] e, portanto, herdeira de todos os estados do Pai Eterno; como Mãe de Deus, e como Esposa do Espírito Santo que, por conseguinte, entra em todos os direitos de seu Esposo” 18.

Senhora de toda a criação, no Filho e pelo Filho

Não raras vezes, essa gloriosa soberania de Maria foi exaltada pela devoção dos Santos e dos autores eclesiásticos. Em seu bem documentado tratado sobre a Santíssima Virgem, D. Gregório Alastruey recolhe alguns desses louvores:
“Santo Efrém dirige-se a Ela dizendo: Senhora de tudo, depois da Trindade... Virgem Senhora Mãe de Deus.
São Germano de Constantinopla: Senhora de todos os filhos da Terra.
São João Damasceno: Em verdade que é propriamente a Mãe de Deus e Senhora, e sendo ao mesmo tempo escrava e Mãe do Criador, impera sobre toda a criação.
Santo Ildefonso de Toledo: Ó Senhora minha e minha Dominadora, Mãe de meu Senhor, serva de teu Filho; sois Senhora minha, porque fostes serva de meu Senhor.
Santo Anselmo: A Vós, ó magna e excelentíssima Senhora, quer meu coração amar-Vos!
São Boaventura: A Bem-aventurada Virgem Maria, como eleita Mãe de Deus, é a Senhora dos Anjos, os quais A servem como ministros19.
A seguir, conclui D. Alastruey: “Não compete a Maria direito estrito de domínio sobre todas as coisas criadas; no entanto, na dependência do direito de Cristo, a quem tudo está submetido, é e pode chamar-se, como Mãe sua amantíssima, Senhora de toda a criação, no Filho e pelo Filho.
Ademais, enquanto sendo Mãe de Deus e consorte do Redentor, conseguiu tanto poder junto do Filho onipotente, Redentor do gênero humano, para impetrar o que quisesse, que nenhuma criatura nem autoridade alguma natural se compara em poder com Ela”20.

Todas as criaturas aos pés da Virgem

Assim, toma particular realce este comentário do Pe. Henry Bolo:
“Maria é a Senhora deste mundo. Ela domina o oceano dos seres, Ela compartilha a soberania de seu Filho, tendo participado do resgate universal pelo qual foi adquirido esse império. Ela está revestida do sol, emblema da magnificência do mundo sobrenatural; Ela tem, sob seus pés, a lua, símbolo desta pálida criação que se desloca na noite. (...)
A Igreja, intérprete do universo, coloca aos pés da Virgem todas as criaturas: para louvá-La, os campos não têm bastantes flores, nem o céu estrelas, nem as pedras preciosas brilho, nem as vozes cânticos, nem possuem as almas suficiente pureza. O triunfo de Maria é excedido apenas pelo de seu Divino Filho.
Se não é a Ela que Deus confere a honra incomunicável e reservada ao Verbo Encarnado, de sentar-se á sua direita, contudo a Virgem aparece portando o mesmo Deus, como o trono vivo donde emana a realiza, a justiça, a glória.
Por isso Ela se chama Maria: a Soberana” 21.

Senhora do Senhor dos senhores

Senhora dos Anjos, dos homens e das graças!” – exclama outro eminente mariólogo. “Senhora de seu Filho, que é ser Senhora do Senhor dos senhores.
Senhora, que significa dona e dominadora dos Céus e da Terra, à qual estão sujeitas todas as potestades do Inferno. Dispensadora de todas as graças, e a quem, portanto, devemos recorrer na vida e na morte, na prosperidade e na adversidade. Ó Senhora minha!” 22.


Estrela da Manhã

“É bem conhecida a passagem, em geral cheia de poesia, mas também de incertezas, da noite para o dia.
Em meio às trevas da madrugada notam-se, de repente, alguns pontos do céu esbranquiçados, e se tem a impressão de que é o começo do alvorecer. De fato não o é: o firmamento se cobre novamente de negro, e só aos poucos vai se tornando pálido. É nesse momento que brilha, com todo o seu fulgor, a estrela da manhã ou, como muitos a chamam, estrela d’alva. É ela o anúncio da aurora, o sinal de que o sol está por vir” 23.
A evocativa beleza desse corpo celeste refulgindo nos albores do dia, constitui expressiva representação do esplendor da verdadeira Estrela da Manhã, Maria Santíssima.

Maria e o símbolo da estrela

“Nossa Senhora – comenta o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira – é chamada, muito a propósito, de Estrela luminosíssima. Incontáveis astros reluzem no firmamento, porém Ela é o mais resplandecente de todos: ou seja, Maria é a mais luminosa das criaturas.
E por que é simbolizada pela estrela? Porque é durante a noite que cintilam as estrelas, e esta vida é para o católico uma noite, um vale de lágrimas, uma época de provação, de perigo e de apreensões. Na eternidade teremos o dia, porém na vida terrena temos o escuro da madrugada. E nesta noite existe uma estrela que nos guia, que é a consolação de quem caminha nas trevas, olhando para o céu: Maria Santíssima, a mais fulgurante de todas as estrelas!” 24
O Pe. Jourdain nos indica outras razões pelas quais Nossa Senhora é apresentada pela figura da estrela:
“O símbolo da estrela convém admiravelmente a Maria. Ele nos faz melhor compreender suas inefáveis grandezas e o que para nós Ela representa. “O sol é Jesus Cristo, e Maria é a estrela”,diz Hugo de São Vitor. (...)
Vários astros tiram toda a sua luz do sol. Maria testemunha que Ela também tirou sua luz do Sol de Justiça, Jesus Cristo. “Aquele que é poderoso, diz Ela, fez em Mim grandes coisas, e seu nome é santo”. Ela reflete tão perfeitamente a luz divina, que a Igreja não hesita em Lhe aplicar várias passagens da Sagrada Escritura que concernem, em primeiro lugar, à Sabedoria incriada. (...)
A estrela permanece sempre no firmamento, e jamais baixa sobre a terra. A Santíssima Virgem sempre levou uma vida celeste: todas as suas afeições estavam no Céu. Nunca aplicou seu espírito nas coisas terrenas e carnais. Assim o Esposo louva sua fronte, dizendo que “ela é como o monte Carmelo” (Cânt. VII, 5). Assim como o píncaro do Carmelo nunca se viu coberto pelas nuvens e gozou sempre de um ar puro, assim a alma de Maria jamais foi molestada pelas afeições terrestres e nebulosas: resplandecia Ela de celeste serenidade. (...)
Os amigos viam a substância das estrelas como incorruptível, inacessível, portanto, à destruição que o tempo traz para as coisas da Terra. Maria foi isenta de toda corrupção: sua carne não conheceu a dissolução no túmulo, nem sua alma, a produzida pelo pecado.
Uma estrela deita sua luz com grande fulgor, sem lesão de sua substância. A Bem-aventurada Virgem Maria, do mesmo modo, sem prejuízo de sua virgindade, projetou de suas castas entranhas o Cristo, a Luz do mundo. (...)
As estrelas influem sobre as criaturas terrenas, iluminando-as e contribuindo à sua geração. Sem a luz do sol, da lua e das estrelas, o universo cairia numa espécie de caos. A Bem-aventurada Virgem Maria influi igualmente sobre o mundo obscurecido pelas trevas do pecado: Ela o ilumina, protege-o e o conserva sob seu domínio, de tal maneira que, se Ela não existisse, de há muito teria o mundo desaparecido. (...)
Uma estrela, apesar de sua aparente imobilidade, percorre com extrema rapidez e perfeita regularidade distâncias inimagináveis. Assim a Virgem Santíssima percorreu uma tão vasta trajetória na via da perfeição e dos méritos, que sobrepujou a todos os Santos e todos os Anjos. (...) Maria era igualmente de uma tão grande constância, de uma firmeza tão inabalável, que seguiu a vontade de Deus, sem dela se afastar jamais.
As estrelas dirigem os que viajam, e sobretudo os navegantes. Maria nos dirige igualmente sobre esta terra de exílio, e conduz a bom porto os que navegam pelo vasto mar deste mundo.

O Divino Sol de Justiça não eclipsa a beleza de Maria

Existe, porém, uma diferença entre Maria e as estrelas. Quando aparece o sol, todos os demais astros se despojam de seus raios e parecem imergir no nada. O Divino Sol de Justiça não eclipsa a beleza de Maria. Pelo contrário, confere Ele maior brilho à sua glória. (...)
[Podemos resumir com] Guilherme de Paris: “Maria, desde o seu nascimento, foi uma estrela, por sua preservação do pecado original que A tornou incorruptível; pela luz do bom exemplo que Ela espargiu em torno de si e que se estendeu ao mundo inteiro; por seu desapego das coisas da Terra: desprezou a glória, porque foi humilde, as riquezas porque foi muito pobre, os prazeres porque foi santíssima; pelo novo fulgor que Ela confere ao Paraíso, do qual sua glória é um dos mais belos ornamentos”. (...)
Estrela da Manhã que precedeu o Sol de Justiça

A augusta Virgem Maria – prossegue o Pe. Jourdain – é a mais resplandecente das estrelas que cintilam na abóbora celeste: Ela é a estrela da manhã, de todas a mais bela e a mais brilhante. (...)
A estrela da manhã marca o fim da noite precedente e o começo do dia. Maria foi igualmente o fim da noite, e o começo de um novo dia. Antes do nascimento de Maria, as trevas do pecado e a noite da infidelidade mantinham o universo sob tão cruel opressão, que não podia ele divisar o Sol de Justiça, o Cristo, o Messias prometido. Deus se fez preceder, portanto, pela Estrela da Manhã, a fim de que os olhos do coração humano, obcecados pelo lodo imundo das iniquidades e, em consequência, incapazes de fitar a grande e verdadeira luz, se habituassem primeiro à claridade da Estrela, para em seguida receberem o brilho de Jesus Cristo.
Eis porque a graciosa Virgem Maria surge toda resplandecente, antes do nascer do verdadeiro Sol; eis porque nossa Estrela da Manhã precede o Salvador. Desde o aparecimento desta Estrela cintilante de claridade, dissipou-se a sinistra escuridão do crime e do erro, o culto dos ídolos foi abalado, e os oráculos dos falsos deuses reduzidos ao silêncio.
A estrela da manhã, precedendo o sol, o traz consigo. A Bem-aventurada Virgem Maria introduziu entre nós o verdadeiro Sol de Justiça, que ilumina todo homem vindo a este mundo. Ela pode, portanto, ser chamada fonte de luz. É esta saudação que Lhe dirige São Gregório o Taumaturgo:“Eu Vos saúdo, cheia de graça, fonte de luz, que ilumina todos os que creem em Vós!
E São Metódio igualmente Lhe diz: “Ao primeiro clarão, ó Santíssima Virgem, desta fulgurante luz que trouxe ao mundo o verdadeiro Sol de Justiça, desapareceu o espantoso horror das trevas, e o universo inteiro se encheu dos mais puros fulgores da verdade!

Estrela que afugenta os demônios e embeleza a criação

A estrela da manhã anuncia a chegada do sol, o que obriga às serpentes, aos lobos, às feras e aos animais selvagens a entrar novamente em suas cavernas; ela espanta as aves noturnas e convida os pássaros do céu a entoarem suas melodias. A Bem-aventurada Virgem Maria não foi apenas a mensageira do Sol de Justiça. Ela O trouxe em seu seio; Ela pôs em fuga as besta infernais, isto é, os demônios; Ela dissipou, como aves da noite, os fátuos erros do paganismo; e Ela incitou aos próprios Anjos e a todas as almas santas a celebrarem os louvores do Senhor.
A estrela da manhã amedronta os ladrões, fortifica os doentes, a tudo embeleza. Maria afugentou os ladrões que são os demônios. Desde que Ela deu ao mundo o Filho de Deus feito homem, Satanás compreendeu que ele estava destituído de seu usurpado império. Júpiter, Marte, Vênus, Saturno e as outras monstruosas divindades adoradas pelos homens, eclipsaram-se vergonhosamente. (...)
Maria, como a estrela da manhã, reanima os enfermos, quer dizer, os pecadores, pois Ela engendrou o Sol do qual foi dito pelo Profeta Malaquias (IV, 2): “O sol da justiça se levantará para vós que temeis meu nome, e encontrareis vossa salvação sob suas asas”. Ademais, por sua intercessão, Ela afugenta as tentações da concupiscência e os maus pensamentos, e sana todas as enfermidades.
Maria a tudo embeleza. Com efeito, desde que, após tantos séculos de trevas, Ela se mostrou ao mundo, e com Ela seu Divino Filho, sua beleza, sua bondade, sua humildade, seu amor, sua clemência, sua misericórdia, sua benevolência, espargiram um tão vivo fulgor, que o mundo pareceu mais belo aos olhos de Deus e dos Anjos, como não era antes da queda do primeiro homem, e a Terra mesma estremeceu de júbilo. (...)

Fulgurante astro no firmamento da santidade

Entre todos os astros da noite, a estrela da manhã é aquele que cintila mais vivamente. A Bem-aventurada Virgem Maria elevou-se acima dos Santos do Antigo Testamento. Ela reluz no meio deles com incomparável brilho. Seus raios se obscurecem ao aparecimento de Maria, porque suas virtudes, comparadas às dEla, perdem todo o fulgor.
Que são, em presença das perfeições de Maria, a inocência de Abel, a justiça de Noé, a obediência de Abraão, a paciência de Jacob, a castidade de José, a doçura de Moisés, a coragem de Josué, a caridade de Samuel, a humildade de David, o zelo de Elias, a abstinência de Daniel, a eminente santidade de São João Batista, a candura de Simeão, a piedade de Ana, a santidade de Isabel? Assim como em comparação com Deus ninguém é santo, de igual modo ninguém, posto em paralelo com Maria, e perfeito, puro e ornado de extraordinárias virtudes.
Tal é o sentimento de São Jerônimo, que, após enumerar várias santas mulheres do Antigo Testamento, acrescenta: “Silencio-me sobre Ana, Isabel e as outras mulheres. Fraco é o seu brilho, empalidecendo e se eclipsando em presença da exuberante luz de Maria”. Bem merece Ela, pois, o nome de Estrela da Manhã.
Ao despontar da estrela d’alva, cai o orvalho a refrescar os campos e a fecundar a terra. Ao aparecimento da mãe de Deus, difundiu-se um abundante rocio de graça sobre o mundo: o Verbo de Deus desceu ao seu seio para nele se revestir de nossa natureza humana.
Enfim, não se passa das trevas da noite à luz do dia, sem que a estrela da manhã tenha espargido sua doce claridade. Do mesmo modo, é impossível passar das trevas do pecado à luz da graça e das virtudes, sem a intercessão de Maria” 25.


Do Céu Rainha

Afirma São Luís Grignion de Montfort que, “no Céu, Maria dá ordens aos Anjos e aos bem-aventurados. Para recompensar sua profunda humildade, Deus Lhe deu o poder e a missão de povoar de Santos os tronos vazios, que os anjos apóstatas abandonaram e perderam por orgulho. E a vontade do Altíssimo, que exalta os humildes (Lc. I, 52), é que o Céu, a Terra e o Inferno se curvem, de bom ou mau grado, às ordens da humilde Maria” 26.

O glorioso título de Rainha

Essa augusta prerrogativa de Nossa Senhora nos é apresentada com maior profundidade pelo santo Fundador dos Redentoristas, ao iniciar ele seus belos e piedosos comentários sobre a Salve Rainha:
“Tendo sido a Santíssima Virgem elevada à dignidade de Mãe de Deus, com justa razão a Santa Igreja A honra, e quer que de todos seja honrada com título glorioso de Rainha. Se o Filho é Rei, diz Pseudo-Atanásio, justamente a Mãe deve considerar-se e chamar-se Rainha. Desde o momento em que Maria aceitou ser Mãe do Verbo Eterno, diz São Bernardino de Siena, mereceu tornar-se Rainha do mundo e de todas as criaturas. Se a carne de Maria, conclui Arnoldo Abade, não foi diversa da de Jesus, como, pois, da monarquia do Filho pode ser separada a Mãe? Por isso deve julgar-se que a glória do reino não só é comum entre a Mãe e o Filho, mas também que é a mesma para ambos.
Se Jesus é Rei do universo, do universo também é Maria Rainha, escreve Roberto abade. De modo que, na frase de São Bernardino de Siena, quantas são as criaturas que servem a Deus, tantas também devem servir a Maria. Por conseguinte, estão sujeitos ao domínio de Maria os Anjos, os homens e todas as coisas do Céu e da Terra, porque tudo está também sujeito ao império de Deus. Eis por que Guerrico abade Lhe dirige estas palavras: Continuai, pois, a dominar com toda a confiança; disponde a vosso arbítrio dos bens de vosso Filho; pois, sendo Mãe, e Esposa do Rei dos reis, pertence-Vos como Rainha o reino e o domínio sobre todas as criaturas27.

Maria Rainha: obra-prima da misericórdia de Deus

À luz dos precedentes ensinamentos, ouçamos o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira tecendo alguns comentários sobre a realeza da Santíssima Virgem:
Nossa Senhora Rainha é um título que exprime o seguinte fato. Sendo Ela Mãe da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e Esposa da Terceira Pessoa, Deus, para honrá-La, deu-Lhe o império sobre o universo: todos os réprobos no Inferno e todos os demônios obedecem à Santíssima Virgem. De sorte que há uma mediação de poder, e não apenas de graça, pela qual Deus executa todas as suas obras e realiza todas as suas vontades por intermédio de sua Mãe.
Maria não é apenas o canal por onde o império de Deus passa, mas é também a Rainha que decide por uma vontade própria, consoante os desígnios do Rei.
Nossa Senhora é uma obra-prima do que poderíamos chamar a habilidade de Deus para ter misericórdia em relação aos homens...” 28

Rainha dos corações

Continua o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira:
“São Luís Grignion de Montfort faz referênca a essa linda invocação que é Nossa Senhora Rainha dos Corações 29.
Comocoração entende-se, na linguagem das Sagradas Escrituras, a mentalidade do homem, sobretudo sua vontade e seus desígnios.
Nossa Senhora é Rainha dos corações enquanto tendo um poder sobre a mente e a vontade dos homens. Este império, Maria o exerce, não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude da qual Ela pode liberar os homens de seus defeitos a atraí-los, com soberano agrado e particular doçura, para o bem que Ela lhes deseja.
Esse poder de Nossa Senhora sobre as almas nos revela quão admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo obtém da misericórdia divina. Tão augusto é este domínio sobre todos os corações, que ele representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do céu, tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último dos homens!
Cumpre notar, porém, que a vontade (isto é, o coração) do homem moderno, com louváveis exceções, é dominada pela Revolução. Aqueles, portanto, que querem escapar desse jugo, devem se unir ao Coração por excelência contra-revolucionário, ao Coração de mera criatura no qual, abaixo do Sagrado Coração de Jesus, reside a Contra-Revolução: ao Sapiencial e Imaculado Coração de Maria.
Façamos, então, a Nossa Senhora este pedido: Minha Mãe, sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas que queiram abrir-se a Vós. Suplico-Vos, pois: sede Soberana de minha alma; quebrai os rochedos interiores de meu espírito e as resistências abjetas do fundo de meu coração. Dissolvei, por um ato de vosso império, minhas paixões desordenadas, minhas volições péssimas, e o resíduo dos meus pecados passados que em mim possam ter ficado. Limpai-me, ó minha Mãe, a fim de que eu seja inteiramente vosso30.

Rainha posta para a salvação do mundo

Ainda sobre o título de Nossa Senhora Rainha, não menos eloquentes são estas palavras do Papa Pio XII:
“A realeza de Maria é uma realidade ultraterrena, que ao mesmo tempo, porém, penetra até no mais íntimo dos corações e os toca na sua essência profunda, no que eles têm de espiritual e imortal.
A origem das glórias de Maria, o momento solene que ilumina toda a sua pessoa e missão, é aquele em que, cheia de graça, dirigiu ao Arcanjo Gabriel o Fiat, que exprimia o seu assentimento à disposição divina. Ela se tornava assim, Mãe de Deus e Rainha, e recebia o ofício real de velar sobre a unidade e paz do gênero humano. Por meio dEla temos a firme esperança de que a humanidade se há de encaminhar pouco a pouco nesta senda da salvação.
Que poderiam, portanto, fazer os cristãos na hora atual, em que a unidade e a paz do mundo, e ate as próprias fontes da vida, estão em perigo, se não volverem o olhar para Aquela que se lhes apresenta revestida do poder real? Assim como Ela envolveu já no seu manto o Divino Menino, primogênito de todas as criaturas e de toda a criação (Col. I, 15), assim também digne-se agora envolver todos os homens e todos os povos com a sua vigilante ternura; digne-se, como Sede da Sabedoria, fazer brilhar a verdade das palavras inspiradas, que a Igreja Lhe aplica: Por meu intermédio reinam os reis, e os magistrados administram a justiça; por meio de Mim mandam os príncipes e os soberanos governam com retidão (Prov. VIII, 15-16).
Se o mundo hoje combate sem tréguas para conquistar sua unidade e para assegurar a paz, a invocação do reino de Maria é, para além de todos os meios terrenos e de todos os desígnios humanos de qualquer maneira sempre defeituosos, o clamor da fé e da esperança cristã, firmes e fortes nas promessas divinas e nos auxílios inesgotáveis, que este império de Maria difundiu para a salvação da humanidade”31.

Rainha que vencerá a Revolução

Como fecho desses comentários ao louvor em epígrafe, vem a propósito outro pensamento do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, particularmente oportuno nesta atual fase histórica, convulsionada pelo caos em que quase todas as atividades humanas:
A realeza de Nossa Senhora, fato incontestável em todas as épocas da Igreja, veio sendo explicitada cada vez mais a partir de São Luís Grignion de Montfort, até aquele 13 de julho de 1917, quando Maria anunciou em Fátima: Por fim o meu Imaculado Coração triunfará. É uma vitória conquistada pela Virgem, é o seu calcanhar que outra vez esmagará a cabeça da serpente, quebrará o domínio do demônio e Ela, como triunfadora, implantará seu Reino.
Portanto, devemos confiar em que Maria já determinou atender as súplicas de seus filhos contra-revolucionários, e que Ela, Soberana do universo, pode fazer a Contra-Revolução conquistar, num relance, incontável número de almas. Nossa Senhora Rainha poderá expulsar desta Terra os revolucionários impenitentes, que não querem atender ao seu apelo, de maneira que um dia Ela possa dizer: Por fim – segundo a promessa de Fátima –o meu Coração Imaculado triunfou!32


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Notas:

14) Plinio Corrêa de Oliveira, Conferência em 22/5/1990.

15) São Bernardo, Obras Completas, B.A.C., Madrid, 1953, t. I, pp. 721-722.

16) São Tomás de Aquino, Catena Aurea, Cursos de Cultura Catolica, Buenos Aires, 1946, t. IV, p.29.

17) Mons. Dadolle, Le Mois de Marie, Ed. J. Gabalda, Paris, 1925, pp. 58, 60-61.

18) São João Eudes, op. cit., pp. 295-296.

19) D. Gregório Alastruey, Tratado de La Virgen Santíssima, B.A.C., Madrid, 1952, p. 823.

20) D. Gregório Alastruey, op. .it., p. 827.

21) Pe. Henry Bolo, Pleine de Grace, Ed. René Haton, Paris, 1895, pp. 55-56.

22) Pe. Javier Barcon, S.J., Aprende a orar, Bilbao, 1954, pp. 91-92;apud Fr. Royo Marín, op. cit., p. 446.

23) Plinio Corrêa de Oliveira, Conferências em 29/11/1991 e 1/12/1991.

24) Plinio Corrêa de Oliveira, Conferência em 24/8/1991.

25) Pe. Z.-C. Jourdain, op. cit., t. III. pp. 272-282, t. V, p. 605, baseado em sermões de: Jacques de Voragine, São Pedro Damião, Santo Alberto Magno, São Tomás de Aquino, Santo Antonino de Florença, Ricardo de São Lourenço e outros.

26) São Luís Grignion de Montfort, op. cit., p.34.

27) Santo Afonso de Ligório, op. cit. P. 34.

28) Plinio Corrêa de Oliveira, Conferência em 22/5/1968.

29) Cfr. Tratado da Verdadeira Devoção, pp. 41-42.

30) Plinio Corrêa de Oliveira, Conferências em 31/5/1972 e 13/3/1992.

31) Pio XII, Discurso no solene rito mariano de 1 de novembro de 1954, Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1955, nº 110, pp.20-21.

32) Plinio Corrêa de Oliveira, Conferências em 31/5/1965 e 31/5/1991.



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DIAS, Mons. João S. Clá. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: 1997.


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O “A alegria da minha juventude” não apoia a transcrição e uso dos textos desse livro para fins lucrativos, e não possui esta finalidade. Contamos com a caridade dos leitores e leitoras do blog.
 
 

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