condoer-se, padecer pela dor de outro, sentir como coisa própria a pena e o sofrimento alheios, e assumi-los como se fossem nossos. Talvez esteja aí o cerne da compaixão: nesse assumir como próprio o que é de outro, quer seja uma limitação, quer uma necessidade, uma carência, um extravio ou uma miséria física, moral ou espiritual. “Dói-me o teu peito”, escrevia – com esse espírito – Mme. de Sevigné à sua filha.
Poderíamos definir melhor essa compaixão que vemos luzir nos olhos de Cristo em Betânia, traduzida em lágrimas, como um amor sentido e vivido, que faz colocar o “outro” no mesmo lugar que o “eu”, isto é, que põe sinceramente o coração do outro no lugar do nosso próprio coração, e faz com que o nosso bata, se alegre, chore – chorai com os que choram, dizia São Paulo (Rom 12, 15) –, lute, se empenhe e se entregue ao ritmo do coração amado, de modo que a vida do outro seja também “vivida” por nós.
É extremamente significativo que – numa das suas mais belas parábolas – Cristo tenha
usado o sentimento e o ato de compaixão para ilustrar o mandamento divino que tantas vezes recordou aos homens: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lev 19, 18; Mt 19, 19 e 22, 39; Mc 12, 31, etc.). Referimo-nos à parábola do bom samaritano, que é exatamente a resposta a um doutor da Lei que, depois de ter citado esse mandamento divino, pergunta: E quem é o meu próximo? (Lc 10, 29).
A parábola focaliza, como expoente do amor ao próximo, o viajante samaritano que, ao encontrar um judeu ferido e meio morto na estrada que descia de Jerusalém a Jericó, moveu-se de compaixão. Sentiu compaixão, mas não ficou nisso: caso tivesse passado adiante, com lágrimas nos olhos mas sem mexer um dedo, como antes dele tinham feito um sacerdote e um levita, não seria senão um sentimental egoísta, como existem tantos. Este homem, porém, partiu para o ato da compaixão. Sem atentar para o fato de que o ferido pertencia a um povo inimigo, sem ficar ponderando que estava de passagem, com pressa, e com muitas coisas por fazer – caso contrário,
nunca teria ido a Jerusalém –, o bom samaritano aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a sua própria montaria, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele em tudo (cfr. Lc 10, 30-37). Será possível uma imagem mais clara do que seja a autêntica compaixão? Não é a compaixão dos tremeliques sentimentais sem conseqüências, mas a de quem coloca o outro no lugar do eu – como víamos –, e por isso faz pelo outro o que faria por si mesmo, ou – caso não possa – deseja que outros o façam.
As lágrimas de Jesus em Betânia são, pois, a manifestação deste amor. Já desde os começos do cristianismo, os mais antigos comentaristas viram na figura do bom samaritano uma imagem do próprio Cristo: “Este samaritano – Jesus – lavou os nossos pecados, sofreu por nós, carregou o homem que estava meio morto, levando-o à estalagem, isto é, à Igreja, que recebe a todos e que não nega o seu auxílio a ninguém, e à qual Jesus nos convoca dizendo: «Vinde a mim»“...10 É bem
verdade que Jesus ultrapassou de longe o preceito de amar o próximo “como a si mesmo”, uma vez que nos amou mais do que a si mesmo, chegando a aniquilar-se na cruz e a dar a vida para que nós tivéssemos vida (cfr. Jo 10, 10). Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos; vós sois meus amigos... (Jo 15, 13-14). Sim, Cristo amou-nos mais do que a si mesmo, e justamente por isso as suas palavras estão carregadas de uma autoridade impressionante quando nos
repete, a cada um de nós, ao ouvido: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”.Pe. Francisco Faus - Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens
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