terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Meditação do Rosário IV

Os mistérios dolorosos
Cônego Henrique Soares da Costa
Os chamados mistérios dolorosos são uma contemplação da Paixão e Morte do Senhor. Para bem contemplá-los é necessário ter cuidado para não se ficar apenas nos fatos, quase como se fosse um teatro interior que estivéssemos produzindo, simplesmente para nos comover com os sofrimentos físicos e morais do Senhor. Isso tem lá também o seu valor, mas não é o aspecto mais importante. É necessário compreender o sentido profundo dos padecimentos de Cristo, seu sentido espiritual e procurar nos unir a ele, sabendo que participando dos seus sofrimentos participaremos também da sua glória...
1. A Agonia de Jesus no Horto das Oliveiras
Leitura: Mt 26,36-46; Mc 14,32-42; Lc 22,40-46; Hb 5,7-10
Neste primeiro mistério somos chamados a contemplar os aspectos interiores da Paixão do Senhor. Vejamo-los com nossa fé e nosso afeto...
O primeiro aspecto nos chama atenção é a realidade da agonia interior de Jesus: “Ele começou a apavorar-se e a angustiar-se. E disse-lhes: ‘A minha alma está triste até a morte’”. (Mc 14,33-34) Jesus entrou na morte não de um modo triunfante, teatral; realmente ele teve medo, ele se angustiou... As palavras de São Marcos são impressionantes: pavor, angústia... Jesus entra num quadro de depressão, de profunda tristeza, tristeza de morte! Por que isso? Primeiramente porque experimenta a dor do fracasso, humanamente falando: ele não conseguiu convencer os chefes nem o povo... Agora, sabe-se rejeitado pelo seu próprio povo como um amaldiçoado, como um falso profeta, que não merece crédito. Pense-se na dor moral do fracasso, da rejeição, da total incompreensão... Em segundo lugar, imagine-se a enorme decepção de se saber traído por alguém escolhido a dedo, alguém de própria convivência, do próprio círculo de amizade... Por fim, a morte que Jesus vai abraçar é a nossa morte, a morte como salário do pecado, morte como experiência da distância de Deus. Jesus morreu pelos pecados do mundo, de modo que sua agonia tem sim um sentido amargo, de abandono e de solidão: “Aquele que não conheceu o pecado Deus o fez pecado (= vítima pelo pecado) por causa de nós, para que nós, por ele, nos tornássemos justiça de Deus” (2Cor 5,21). É um mistério tremendo! Jamais poderemos experimentar, jamais poderemos penetrar na profundidade da dor, da solidão, da escuridão de Jesus, sozinho, com o pecado do mundo, naquele Horto! Contemplar este mistério é um convite a nos unir sempre a Jesus nas nossas tribulações interiores. Quando, nas nossas trevas, encontramos o Senhor que por nós enfrentou tão densas trevas, a nossa treva começa a se tornar luminosa e a noite vai se fazendo clara como o dia...
Daqui, precisamente, deriva o segundo aspecto deste mistério: a profunda solidão do Senhor. Nunca houve ninguém tão sozinho quanto Jesus no Jardim da Agonia! Onde está o povo, pelo qual gastou seu tempo, sua pregação, seus milagres, sua vida? Onde estão aqueles aos quais ele curou, acolheu, a quem deu nova esperança? Não, não há ninguém; Jesus está só! Onde estão os Doze ou, ao menos aqueles três? “Permanecei aqui comigo e vigiai!” (Mc 14,34). Os Doze estão distantes, os três dormem pesadamente! O Senhor se apavora, o Senhor se entristece profundamente... Não há consolo, não há um ombro amigo, não há o mínimo sinal de solidariedade, de misericórdia, de compreensão! Jesus é todo solidão! Ele, então grita ao Pai... Mas, onde está o Pai? O Pai se cala, como que esconde misteriosamente sua Face... É um mistério profundíssimo de uma noite densa, escura, sem estrelas, sem a menor luminosidade... “É a vossa hora e o poder das trevas” (Lc 22.53). A morte de Jesus não é uma morte qualquer: nela é assumida toda a profundidade, toda a tragédia, toda a gravidade do pecado do mundo: “O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele! O Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Is 53,5b.6b) Unamo-nos à solidão de Jesus e, nela, rezemos misericordiosamente pelos que se sentem oprimidos pela solidão da vida e ofereçamos a nossa própria solidão... Fiquemos com ele, vigiemos...
Um outro aspecto profundíssimo é aquele da oração de Jesus! Toda a sua existência foi aberta ao Pai, foi em diálogo com o Pai: ele nunca se buscou a si, nunca procurou seu próprio interesse. Por isso, passava tantas vezes as noites em oração, procurando a vontade do Pai e na vontade do Pai descansando. Pois bem, ele agora entra na sua Paixão rezando. Isto significa que tudo quanto viverá, tudo quanto sofrerá, até a morte, será numa atitude de profunda abertura de coração para com o seu Deus e Pai! Jesus não somente suportou a Paixão e a Morte: ele as viveu como um ato de amor, de entrega e de adoração! Ele viveu todo esse doloroso caminho como uma oração, como um diálogo, como um está na presença silenciosa do Pai do céu... Eis aqui uma realidade profunda demais, rica demais, libertadora demais. Aprendamos a nos deter neste mistério e a entrar nos sentimentos do coração bendito de Jesus. Aí encontraremos paz, repouso e segurança... Escutemos o convite: “Vinde a mim; aprendei de mim!”
A conseqüência de quem assim reza é uma obediência infinitamente pacífica, serena, profunda. É o que vemos, admirados, em Jesus: “Abbá! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém não o que eu quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36) O que tu queres! Como nos ensinou o Santo Padre Bento XVI, “os caminhos do Senhor não são cômodos; mas nós não fomos criados para a comodidade, mas sim para as coisas grandes, para o bem! É essa obediência amorosa, livre, madura, a causa da nossa salvação! Jesus foi totalmente livre, porque foi totalmente entregue à vontade do Pai! A liberdade fundamental, base de todas as liberdades, é a liberdade de si próprio para viver totalmente para o Pai e realizar sua santa vontade! Por isso o Autor das Carta aos Hebreus não hesita em afirmar: “Graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo” (10,10). Peçamos ao Senhor a graça de participar do mistério de sua obediência, entregando-nos com toda a confiança nas mãos do Pai: Pai eu me entrego a ti; abandono-me em ti! Faze de mim o que tu quiseres! Coloco minha vida, coloco meus dias, coloco meu futuro nas tuas mãos benditas, com infinita e absoluta confiança, porque tu és o meu Pai!
Qual o fruto de uma obediência assim, de um abandono desses? A paz, a consolação! “Vontade do meu Deus, és o meu paraíso!” é o que Jesus experimenta. São Lucas exprime isso de modo misterioso: “Apareceu-lhe um anjo do céu, que o confortava...” (22,43). É uma realidade impressionante: mesmo na maior desolação, na maior treva, quando nada mais compreendemos, se nos abandonarmos nas mãos do Senhor, encontraremos a paz e a consolação, ainda que no meio de lágrimas e tormentos... Quem se uniu ao Senhor nas provações sabe do que estou falando... Uma paz assim somente o Senhor pode dar e somente que procura a vontade do Senhor e nela descansa por experimentar tal realidade. Aqui, o mundo nem de longe pode compreender ou saber do que falamos, porque exprimimos as coisas espirituais numa linguagem espiritual (cf. 1Cor 2,13).
2. A flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo
Leitura: Mt 27,27-31; Mc 15,16-20; Jo 19,1-3
A agonia de Jesus no Horto deu-nos a ocasião para meditar nos aspectos interiores da sua Paixão; agora, contemplando sua flagelação, vamos nos deter nos aspectos físicos, externos de seu caminho de dor. Pensando em Jesus flagelado, gostaria de chamar atenção para três aspectos.
O primeiro que nos chama atenção é para a sua dor. A Paixão doeu, doeu muito! Doeu não só moral e espiritualmente, como vimos antes; doeu também fisicamente. Pensemos: as bofetadas no rosto, a punhos cerrados, as cuspidelas abjetas, a dureza do açoite romano (uma espécie de chicote de couro com umas bolinhas de chumbo nas extremidades... Aquilo lá entrava na musculatura e, quando era puxado, trazia consigo pedaços da carne)... Pensemos na coroa de espinhos, o quanto não deve ter doído física e moralmente! Em suma: a Paixão foi real! Não foi um teatro, não se resumiu a palavras bonitas. Doeu, como dói em nós a dor física; foi concreta, dolorosamente concreta. Aqui sim, convido a que nos detenhamos um pouco a imaginar a dor do Senhor...
E que lição impressionante tiramos? Precisamente o segundo aspecto que gostaria de meditar: Deus quis salvar o mundo na concretude da dor, na feiúra da dor, no pranto da dor! Ali, naqueles tormentos, naqueles martírios, Deus estava silenciosamente presente, com seu amor, com sua fidelidade em relação a Jesus e com sua misericórdia em relação ao mundo! Que mistério! Isso nos quer dizer que nos nossos sofrimentos tão dolorosos, tão feios, tão absurdos, no momento de uma tragédia, de uma dor muito grande, de um desastre inesperado, Deus está ali, presente, silenciosamente presente... Como nos é difícil aceitar, como nos é difícil compreender! Talvez não compreendamos mesmo – não há como! Pois bem: pensando em Jesus neste mistério, acostumemos o coração a compreender, a vislumbrar que Deus se faz presente também nas nossas tragédias que têm travo tão amargo, tão forte sabor de absurdo...
Finalmente, um terceiro ponto: como Deus nos ama concretamente! Eternamente sonhou conosco, criou-nos envolvidos de ternura e amor, disse-nos tantas vezes que nos amava, demonstrou o seu amor de tantos modos, prometeu-nos o seu amor... Pois bem, quando chegou a Hora, a misteriosa e terrível hora da cruz, o Senhor não mais nos amou com palavras... amou-nos simplesmente naquela dura madeira, naqueles cravos pontiagudos, naquelas dores tremendas e naquelas gotas rubras de sangue... Assim é o amor: concreto, de carne e osso! Como o amor do homem e da mulher que, se fazendo carne, gera vida e se concretiza, assim também o amor de Deus: faz-se palpável, aparece na carne dilacerada do nosso Salvador! Pois bem! É na concretude da vida, nas ações e situações reais da existência, que somos chamados a dizer ao Senhor: Tu me amaste primeiro; e eu te respondo com amor! Tu me amaste na dor da Paixão; e eu te amo nas paixões da minha vida, porque amor só com amor se paga!
3. A Coroação de espinhos
Leitura: Mt 27,27-29; Mc 15,16-17; Jo 19,1-3
Neste mistério, tomemos três pistas para nossa contemplação.
1. Pensemos na terrível dor moral de viver uma situação absolutamente absurda. O Filho de Deus agora é coroado de espinhos, tratado com desprezo e zombaria. Imaginemos a cena... Aqui nada tem sentido, nada se encaixa, tudo é absurdo: a maldade humana, a perversão da soldadesca que, de modo patológico, se alegra com a malvadeza, com a crueldade. Além da maldade humana, a aparente falta de sentido de todo aquele enredo doloroso: Israel esperou o Messias, rezou pelo Messias, chorou e sofreu pelo Messias... e agora, misteriosamente, em nome de Deus e de sua Lei, rejeita o Messias e entrega-o aos pagão romanos, que o flagelam e ridicularizam, coroando-o de espinhos. Teria Jesus fracassado? Teria sido tudo em vão? A humanidade mereceria todo esse sacrifício? Onde está o Pai? Tudo é silêncio, tudo é treva, tudo é agonia sem sentido... E, no entanto, Jesus se abandona, Jesus se entrega: “Eu não estou só; o Pai está comigo!” (Jo 16,32b).
2. E, no entanto, esta absurda e ridícula coroação tem um sentido sim no plano do Pai: Jesus coroado nos mostra, de modo surpreendente, como é que Deus reina: não pelo poder, não pela prepotência, não pelos brilhos deste mundo. Seu Reino vem pela humilhação do Filho, pelo amor que se coloca a serviço até a morte e morte de cruz! Esta idéia é importantíssima porque nos coloca diante de duas realidades: (1) Na Igreja, aqueles que têm a autoridade devem sempre recordar que esta deve ser instrumento de serviço e nunca de domínio tirânico: na Igreja reinar é servir! “O maior dentre vós torne-se o servo de todos, e o que governa como aquele que serve!” (Lc 22,26). Toda autoridade usada fora dessa linha é mundana, é diabólica, é aquela de que falava Satanás, o Pai da Mentira: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4,9). (2) Muitas vezes, diante dos males e absurdos do mundo e da vida, perguntamos por Deus: Onde está? Por que o seu Reino não se manifesta? Por que parece tão impotente? A resposta a estas questões encontra-se na Paixão do Senhor, na sua coroa de espinhos: ele não é rei impondo, não é rei dominando tiranicamente. Exatamente para não sufocar a liberdade humana – mesmo quando esta diz “não”, mesmo quando esta causa dor e sofrimento – o Filho deixou-se coroar de espinhos! Deus não é rei à maneira humana. Não podemos olhar os reis e presidentes da terra e, depois, tranqüilos, dizer: Deus é Rei! Nada disso! Temos de olhar para o Cristo coroado de espinhos, homem de dores, homem todo consumido em dor e amor (“Amor e dor andam juntos!”)... e depois, admirados e confusos, exclamar: Cristo é Rei! Deus é Rei de um modo que nos escapa, que exige que mudemos nossas idéias sobre reinos e realezas, sobre tronos e domínios... Realmente, “Meus pensamentos não são os vossos pensamentos; meus caminhos não são os vossos caminhos não são os meus caminhos. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos.” (Is 55,8). É longo o caminho que temos para realmente nos converter, para aprender a olhar a interpretar tudo à luz de Jesus e de sua entrega de amor!
3. Por fim, Jesus coroado de espinhos, com uma cana entre as mãos, ridícula imitação de um cetro, e um manto vermelho, como uma troça, à moda do Imperador... Jesus ridicularizado... Não é uma parábola, uma imagem do que nosso mundo atual, soberbo e auto-suficiente, tem feito com ele? Quantos filmes imorais e anti-cristãos? Quantos livros escritos, denegrindo Cristo e sua Igreja? Quantas leis, quantas notícias, quantas atitudes hostis e de desprezo em relação a Jesus, no mundo atual? Todos têm direitos, menos o cristianismo; todos são elogiados, menos o Cristo! Hoje, Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, vai sendo desprezado e escarnecido pelo mundo ateu, pós-cristão, cada vez mais anti-cristão... Também esta situação faz parte do caminho do Senhor: “O servo não é maior que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou. Se chamaram Beelzebu ao chefe da casa, quanto mais chamarão assim aos seus familiares” (Jo 13,16; Mt 10,25).
4. Jesus sobe o Calvário com a cruz às costas
Leitura: Mt 27,32; Mc 15,20b-22; Lc 23,26-32; Jo 19,16b
Neste quarto mistério, tomemos três pontos para orientar nossa contemplação.
Primeiro. O caminho do Calvário não é somente a parte final do longo caminho de Jesus, mas é o cume de toda uma existência. Se olharmos com atenção os três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), veremos que eles narram todo o ministério público de Jesus como uma subida a Jerusalém. O Senhor vai caminho para a Cidade Santa, onde sofrerá, morrerá e ressuscitará e, no caminho - ele na frente e os discípulos atrás -, vai dizendo: “Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie-se, tome sua cruz e siga-me...” (Mc 8,34) Pois bem, ser cristãos, ser discípulo é deixar-se, renunciar-se e seguir Jesus no seu caminho... E seu caminho passa necessariamente pela cruz para chegar, depois, à glória da ressurreição... Assim, este último trecho do caminho do Senhor é um convite para que nós o sigamos no caminho da nossa vida com a nossa cruz. A cruz é nossa, o caminho é dele. Mais ainda: ele mesmo é o caminho, o nosso único caminho que conduz à vida! É impossível ser cristãos sem a disponibilidade de se deixar e seguir o Senhor. Seria uma tremenda ilusão que daria em nada! Portanto, coloquemo-nos nós, como fruto deste mistério, numa sincera disponibilidade em seguir o Senhor, deixando-nos guiar por ele, ainda que seu caminho não seja fácil. Nunca esqueçamos: nosso destino último não é a cruz, mas a ressurreição!
Segundo. Que significa levar a cruz? Significa enfrentar com paciência, coragem e retidão de consciência os desafios, as limitações e tensões da vida. A cruz é tudo quanto nos acabrunha, nos faz sofrer, nos coloca em crise. Levar a cruz significa ter um olhar contemplativo, uma capacidade de ver por trás das aparências, tendo a capacidade de enxergar nos sofrimentos e desafios a presença do Senhor, que nos chama a segui-lo numa atitude de confiança, de amor e de doação. O cristão não deseja a cruz da vida, mas sabe suportá-la em união com o seu Senhor, dando-lhe um sentido salvífico – “Eu completo na minha carne o que faltou dos sofrimentos de Cristo...” (Cl 1,24) e, assim, encontrando força e coragem para vencer! A vitória, mais que exterior, é interior: ainda que as situações que nos contrariam e afligem não sejam superadas, nós encontramos força para enfrentá-las sem perder a paz e sem desandar no rumo da vida! É assim: quando Deus não acalma a tempestade dá fortaleza ao barco para não se desmanchar nem soçobrar! Então, levar a cruz não significa de modo algum alimentar sentimentos derrotistas, negativos, de uma conformidade passiva e sem iniciativa diante dos desafios da vida. Significa, ao invés, enfrentar a realidade adversa confiando no Senhor, com paciência, com espírito de abandono em suas mãos benditas, encontrando aí força e inspiração para superar as dificuldades e ir adiante, aconteça o que acontecer!
Terceiro. No caminho do Calvário, não esqueçamos o Cirineu. Ele nos representa. Sua participação no caminho da cruz significa que devemos “ajudar” Jesus a levar sua cruz. Como? “Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). Somos, portanto, chamados a ser cirineus para Jesus presente em cada irmão necessitado de nosso socorro, de nossa compaixão, de nossa solidariedade. Uma contemplação da paixão dAquele que morreu por todos que não nos conduza à “com-paixão” pelos que o representam, aqueles nos quais ele mesmo disse que estará sempre presente, não nos serviria para nada! Então, que a meditação da Paixão nos abra à compaixão para com o Senhor Jesus presente no irmão necessitado!
5. A crucificação e morte de Jesus
Leitura: Mt 27,32-50; Mc 15,21-41; Lc 22,26-49; Jo 19,16b-30
Este último mistério doloroso é primeiramente uma grande e radical revelação. Para nosso espanto, revela-nos algumas realidades impressionantes: (1) Até onde o homem foi com seu pecado – O nosso “não” a Deus, a nossa louca prepotência de pensar que somos os donos de nossa vida e poderíamos viver plenamente longe de Deus, nos desfigurou a ponto de nos fazer matar Deus no nosso coração e no coração do mundo. Jesus crucificado, desfigurado pela dor e pela flagelação, mostra-nos tudo isso! Ele, desfigurado, é imagem da própria humanidade desfigurada pelo pecado e pela loucura de viver sem Deus; ele, crucificado e morto, mostra-nos até onde nós fomos: matamos Deus e continuamos a fazê-lo. Cada vez mais Deus vai morrendo no coração do mundo atual, no coração das famílias, no coração das pessoas. Será que também não o estamos matando no nosso próprio coração? (2) Até onde Deus está disposto a ir com a sua graça – O Senhor é o Bom Pastor que veio procurar a humanidade, sua ovelha perdida! Na cruz Deus nos revela até onde vai o seu amor por nós, até onde nos leva a sério, até que ponto preocupa-se com nossa salvação: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único” (Jo 3,16). Assim, contemplado o Crucificado, podemos ter uma idéia do que significa a afirmação de que Deus é amor, podemos vislumbrar até onde o Senhor realmente nos leva a sério e até que ponto nós lhe somos preciosos! (3) O Crucificado revela-nos também quem somos nós – Tão pobres, tão incapazes de encontrar o caminho, tão cegos e muitas vezes furiosos... Contemplando na cruz aquele Homem de Dores, deveríamos compreender que nossas quebraduras são grandes, nossas incoerências são profundas, tão grandes e tão profundas que necessitaram de tão grande Salvador e tão impressionante salvação! Basta pensar no mundo atual: imoralidade, violência, paganismo, injustiças gritantes, subversão dos valores, culto da mentira e de tudo que é contra Deus... Tão grande miséria, tão grande cegueira, tão grande orgulho, tão grande pecado, tão grande perdição... (4) O Crucificado revela quem é Deus – O Pai de Jesus é tão imensa luz, tão imensa humildade, tão imenso amor, tão imensa misericórdia! Ele não aceita que nos percamos, ele não nos deixa, apesar de nossa ingratidão e de nossa miséria. A cruz é a mais escandalosa e mais profunda e mais subversiva manifestação de quem é o nosso Deus: amor humilde, que prefere morrer a matar, prefere dar a vida para não tirá-la! (5) A cruz nos revela o modo de agir de Deus – Deus que se manifesta na fraqueza, na humilhação, na impotência! Por nós mesmos, faríamos uma imagem totalmente diferente de Deus; um Deus que viria por cima, um Deus que imporia, que obrigaria, um Deus que sufocaria o homem com a imensidão de sua glória... Pois bem, a glória, o poder e a grandeza de Deus se manifestam exatamente na direção contrária: numa surpreendente humildade! Bem que ele já tinha prevenido pelo profeta Oséias: “Meu coração se contorce dentro de mim, minhas entranhas comovem-se. Não executarei o ardor de minha ira, não tornarei a destruir Efraim, porque sou um Deus e não um homem, eu sou santo no meio de ti, não retornarei com furor!” (11,8b-9).
Além deste aspecto de revelação, este mistério nos convida a recordar que Jesus foi crucificado para nossa justificação. No “sim” da sua cruz ele nos deu o perdão dos pecados, ele corrigiu o “não” de Adão, o nosso “não”. O mistério da cruz do Senhor nos mostra o quanto não podemos por nós mesmos alcançar a salvação: ela é graça, é dom de Deus! Somos justificados (tornados justos diante de Deus) crendo em Jesus Cristo e aceitando com a nossa vida a salvação que ele nos obteve. Assim, a cruz é um mistério de graça: Deus gratuitamente entregou o seu Filho para nossa justificação, de modo que por graça fomos salvos! Todo nosso mérito só pode ser o de acolher humildemente essa salvação; toda nossa boa obra somente pode ser a de não impedir que a graça de Cristo aja em nós...
Ainda um ponto para nossa contemplação: olhando a cruz do Senhor somos chamados a tomar com ele a nossa cruz. Neste mistério é sempre bom aprender a pedir a graça de levar com amor e dignidade, com paciência e coragem a cruz de nossa vida. Hoje, por ódio à cruz, tão facilmente as pessoas renegam seus valores, traem seus compromissos, procurando ser feliz de um modo fácil e falso, a qualquer preço, de qualquer modo... Assim, somente se constrói o vazio, o nada, a solidão interior! É preciso a coragem de nos unir à cruz do Senhor, nele encontrando força e consolo...
Um último tópico. Aprendamos de Jesus o quanto o Pai é amor, o quanto o Pai é fiel, o quanto o Pai é confiável: Jesus morre abandonando-se ao seu Deus e Pai: “Pai, eu me entrego em tuas mãos! Pai, eu me abandono em ti!” A entrega de Jesus é maior que a dor, maior que o abandono, maior que a solidão, maior que a morte! E por quê? Porque ele sabe que o amor e a fidelidade do Pai são maiores que a própria morte: “Pai, para além da dor e da morte, eu confio em ti, eu me entrego nas tuas mãos benditas!” Sejam estes os nossos sentimentos e atitudes nos vários reveses da vida!

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