quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Meditação do Rosário II


Os mistérios gozosos
Côn. Henrique Soares da Costa

            É importante notar que estes mistérios são cristocêntricos, são mistérios de Cristo; é nele que o plano da salvação se realiza. Eis algumas indicações para bem contemplá-los: 
1. A Anunciação do anjo e a Encarnação do Verbo 
Leitura: Lc 1,26-38 
Este primeiro mistério gozoso é profundamente centrado no evento da Encarnação: não é a Virgem, mas o Messias-Salvador o centro de nossa contemplação. Aqui somos chamados a admirar o misterioso plano salvífico de Deus que, quando chegou a plenitude dos tempos, fez aparecer a plenitude da graça, enviando o seu Filho ao mundo: em Jesus, Deus se humaniza, Deus começa sua aventura humana, numa profunda obediência ao Pai (cf. Hb 10,5-7) e numa profunda humildade, num impressionante esvaziamento: fez-se homem, de Maria, a Virgem (cf. Fl 2,5-7). 
Se Cristo é o centro, no entanto, este mistério convida-nos também a contemplar a atitude da Virgem Maria. Ela é imagem vivente do Antigo Povo, a Filha de Sião, que é convidada a alegrar-se com a chegada do Salvador-Messias (cf. Sf 3,14-18; Is 12,6; 54,1-17; Zc 2,14-17). Para ela, a Pobre de Nazaré, o Senhor voltou o seu olhar misericordioso e nela realizou maravilhas! Ela é lugar da manifestação graciosa de Deus: seu nome é Toda-Agraciada! 
Unindo o Filho que se encarna e a Mãe que o acolhe, aparece misteriosamente a obediência, o “Sim” de total disponibilidade ao Pai: o sim eterno do Filho, que ecoa no tempo através do sim da Virgem Maria. Assim, aparece o quanto a salvação do mundo e da humanidade manifesta-se na atitude de obediência, o contrário da atitude do pecado original: a humanidade voltará pela obediência Àquele de quem se afastou pela covardia da desobediência. O Criador e a criatura, de modo admirável e incompreensível, comungam nessa obediência ao plano amoroso de salvação... 
Somos convidados a contemplar a atitude crente, madura e disponível de Nossa Senhora: crente porque se confia totalmente ao Senhor, como Abraão, que “partiu sem saber para onde ia” (Hb 12,8): casamento, futuro, filhos, tudo isso a Virgem Mãe deixou nas mãos de Deus, sem pedir explicações, sem pedir provas, sem pedir garantias... Atitude madura porque humildemente procurou compreender o quanto possível o plano de Deus a seu respeito para melhor aderir a ele; atitude disponível, pela sua insuperável resposta ao convite do Senhor: “Eis a Serva!” – Não se pertence a si própria, não considera sua vida e seu destino a partir de seus interesses e projetos; ela se confia total e absolutamente ao seu Senhor e Deus.

2. A Visitação da Virgem a Isabel e a Exultação de João Batista 
Leitura: Lc 1,39-45 e 1,46-56 
Inicialmente, há duas realidades a serem contempladas. Primeiramente, o sinal dado pelo Anjo: Isabel, já idosa e estéril, estava grávida por obra de Deus. Tal gravidez prodigiosa era prenúncio da gravidez ainda mais impressionante da Virgem Maria. Deus é o Deus da vida, Deus do impossível (cf. Lc 1,37): onde não há vida, ele faz a vida nascer, onde somente há a morte da esterilidade, sem futuro nem esperança, ele faz brotar a semente bendita da vida. Por isso, a exultação das mães. A segunda realidade é o espírito de serviço de Nossa Senhora: sua relação com Deus não é fechada em si mesma, alienada das necessidades dos irmãos: ela se dirige a Isabel e permanece com ela até o parto: viajou à casa de Isabel para ver o sinal; lá permaneceu para ajudar caridosamente – é a prova de uma vida espiritual sadia e centrada no Deus de amor. 
Contemplemos, agora, os três principais personagens desta perícope: 
1 - João Batista: Ele é o Precursor, aquele que existe para “cursar-antes”, caminhar abrindo estrada: o anúncio do seu nascimento (cf. Lc 1,5-25) prenuncia o anúncio do nascimento de Jesus (cf. Lc 1,26-38); o seu nascimento e circuncisão (cf. Lc 2,57-66) prenunciam o nascimento e circuncisão de Jesus (cf. Lc 2,1-21); do mesmo modo, seu ministério e morte prenunciam o ministério e morte de Jesus. Que nos ensina este fato? Que somos todos envolvidos no plano salvífico de Deus. Não devemos nos fixar nos nossos planos, mas nos alegrar por participar de um desígnio muito maior. Nossa vida será verdadeira e terá sentido, será preciosa aos olhos do Senhor, na medida em que for humilde disponibilidade ao serviço da santa vontade de Deus. Mais tarde, João dirá: “Um homem nada pode receber a não ser que lhe tenha sido dado do céu. Não sou eu o Cristo, mas fui enviado adiante dele. É necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,27-30)
2 - A Virgem Maria: Ela é toda exultação, numa explosão de admiração e gratidão ao Deus Salvador do seu povo. Pela sua voz é todo Israel que canta a fidelidade de Deus que invade amorosamente a história humana e faz triunfar o seu plano de amor e salvação. O Magnificat (cf. Lc 1,46-55) deve ser lido com o pensamento no Êxodo (quando a outra Maria, irmã de Moisés, cantou e dançou porque Deus derrubara os soberbos egípcios e elevara o humilde Israel – Ex 15,21), em Ana (que experimentou a ação de Deus, exaltando os humildes e derrubando os soberbos – 1Sm 2,1-10), em Maria (a pobre esquecida de Nazaré, elevada a Mãe do Messias), na Páscoa (onde Deus revela de modo definitivo a força do seu braço, exaltando o Pobre Jesus e julgando o Pecado do mundo) e no Juízo Final (quando já não haverá noite e toda soberba do mundo será destruída). Todas as tardes, quando o sol se põe e a escuridão começa a cobrir a terra, a pobre Igreja, de quem Maria é figura e modelo, canta o hino de louvor e confiança na misericordiosa salvação de Deus. 
3 - Deus: Silenciosamente, é ele o autor da salvação, é ele a causa da alegria do Batista, do júbilo de Isabel e da exultação de Maria. Seu modo de agir subversivo da nossa lógica, sua fidelidade desconcertante e seu modo misterioso e sábio de guiar a história – tudo isso é cantado no Magnificat. 
Todo este mistério nos faz intuir e contemplar um Deus que é próximo, que age no mundo, que entra na nossa vida, que nunca nos abandona. É um clima de exultação pela presença de Deus na humilde existência de cada um de nós... 

3. A Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne 
Leitura: Lc 2,1-20 
Vamos meditar este mistério tomando três diversos pontos de observação: 
Primeiro: o ponto de vista de Jesus. Quem é este que nasce? É o Emanuel, o Deus-conosco. Ele nasce no meio da noite humana como luz, ele nasce na pobreza, na humildade e na privação: precisa do leite da mãe, do cuidado de José. Nasce Deus dependente, Deus pobre, Deus fraco. É um mistério que jamais poderemos compreender completamente! Imaginamos um Deus grande e potente, e Deus nos ensina um outro caminho – o seu caminho – totalmente diverso do nosso. É um caminho que nos envergonha a todos! Não nos iludamos: jamais compreenderemos este mistério! Em Jesus, Deus quis comunicar-se de forma completa a um outro ser, diferente dele: o Criador quis experimentar ser criatura! Dignou-se se dar de presente a nós, veio a nós. Ele não quis ficar unicamente Deus, não se contentou em nos amar de longe, em debruçar-se sobre nós, simplesmente... Sem deixar de ser o Deus que sempre fora, fez-se homem, fez-se criança, fez-se um de nós! Ele quis saber por experiência o que é ser humano! No século XII, São Bernardo já explicava: “Ouviste dizer que o Verbo se fez carne. E por quê? Porque Deus quis saber o que é ser realmente humano. Mas, Deus já não sabe tudo? Não conhece o que é o homem, o que há nele? Sim! Mas, o amor quer experimentar a realidade do amado. Assim, ele quis conhecer por experiência o que significa a nossa humana realidade!” Pois bem, em Jesus Deus, pessoalmente, desceu para nos fazer subir; fez-se humano para encher a humanidade da vida divina! Quão grande aos olhos de Deus deve ser a criatura humana para que ele quisesse fazer-se um de nós! Grande coisa sim, porque fomos criados grandes, à sua imagem! Ele veio para uma humanidade ferida, veio para nos curar, nos erguer nos salvar... Ele teve compaixão de nossa solidão, de nossa pobreza, de nossa incapacidade de caminhar sozinhos... Veio para nos conduzir à comunhão com o Pai! Ele é um Deus que se faz próximo (cf. Lc 10,25-37). Como dizia Santo Elredo de Rieval: “Ouviste o nome do Menino: Emanuel, Deus conosco. Antes parecia ser Deus sem nós, Deus acima de nós e até mesmo Deus contra nós. Mas, agora, não: é Deus conosco: conosco nas alegrias, conosco nas tristezas, conosco nos trabalhos, conosco no descanso. Eis o seu nome: Emanuel! Nunca mais nós sem Deus; nunca mais Deus sem nós!” 
Segundo: o ponto de vista de Maria e José. Em Belém, tudo é aperto, pobreza, imprevisibilidade: não há lugar para eles, não há tempo para providenciar, não há condições ideais para o parto. Há somente o silêncio de Deus. Como pode ser, um Deus que não cuida do seu Amado, um Deus que não abre portas, que não providencia? Silêncio... Qual a atitude de Maria e de José? Abandono, confiança... E seu fruto é a paz: a Virgem guardava tudo no coração. José, o Guardador de Jesus, faz o que pode, abandonando-se em Deus... 
Terceiro: o ponto de vista dos outros personagens: (a) A simplicidade crente dos pastores, que vêem a Luz e, crendo, enchem-se de alegria, descobrindo a salvação de Deus. (b) A humilde docilidade dos magos que, como Abraão, deixam-se guiar pela luz do Menino, partem sem saber aonde iam e, assim, alcançam o Inalcançável e, cheios de alegria, voltam por outro caminho! (c) A arrogância de Herodes: apegado ao poder, fecha-se para as surpresas de Deus, torna-se medroso e tenta matar a ação de Deus. Somente consegue matar os outros e a si mesmo... (d) A cegueira de Jerusalém, sua descrença, tão pesada e densa, que chega a obscurecer a Estrela do Menino. Na Cidade Amada, não se pode ver a Estrela... Eis um grave risco para nossa alma: tornar-se como Jerusalém!

4. A Apresentação de Jesus no Templo e a Purificação da Virgem Maria 
Leitura: Lc 2,22-40 
Se pensarmos bem, a Apresentação não é um mistério gozoso, mas doloroso. Doloroso e rico de significados e lições para a nossa vida com Deus. 
A primeira lição é a da humilde obediência da Sagrada Família à Lei de Deus: “Quando chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho nascido de mulher, nascido sob a Lei para resgatar os que estavam debaixo da Lei” (Gl 4,4s). É comovente contemplar o Filho eterno do Pai, José e Maria Santíssima submeterem-se à Lei de Moisés (Lc 2,22.23.24.39), que prescrevia a consagração do macho primogênito ao Senhor e a purificação da mãe após o parto – quer o parto fosse normal quer não (cf. Ex 13,2; 13,11). Além da humildade, há duas razões teológicas: Jesus, sendo o primogênito de José, é o descendente de Davi, o herdeiro das promessas feitas a Davi, é o Messias-Rei de Israel; além do mais, assumindo a submissão à Lei, ele nos libertaria da Lei, pois nele toda Lei se cumprirá... 
A segunda lição é de pobreza. José e Maria apresentam a oferta dos pobres: um par de rolas ou dois pombinhos (cf. Lv 5,7; 12,8). Não têm gado graúdo nem miúdo... O Filho de Deus nasceu pobre entre os pobres; ele viveu como pobre! Mais uma vez, na contemplação dos mistérios do terço aparece o mistério da santa pobreza, que Deus escolhe para confundir a lógica humana, fundada na força, na própria segurança e na prepotência... Deus ama os pobres, porque eles não confiam em si mesmos, mas coloca sua confiança no Senhor e por ele esperam. E, na sua pobreza, José e Maria ofertam tudo quanto têm ao Senhor: ofertam o Primogênito, o filho único... como a viúva pobre, como nosso pai Abraão no monte Moriá, entregam tudo quanto possuem, sem nada reter... 
Terceira lição: O Senhor aceita a oferta: o Menino será sinal de contradição e a oferta seria consumada no Calvário, quando uma espada traspassararia o coração de Maria: coração íntegro, imaculado, todo ferido, todo vazio de si mesmo, todo oferente na oferta do Filho. Os pais de Jesus admiram-se e se abandonam nas mãos de Deus, Senhor do nosso futuro e da nossa vida... 
Quarta lição: a fidelidade de Deus, que aparece na exultação de Simeão e Ana. Esses dois anciãos são imagens do Antigo Testamento, do Israel que esperou pacientemente, contra toda esperança. Agora, podem, finalmente, ver a salvação de Deus! Esses dois personagens nos ensinam a esperar na perseverança, esperar, esperando pacientemente oDeus de Deus, porque ele é fidelíssimo. 
Há ainda, neste mistério, um sentido litúrgico muito belo. Os orientais chamam esta apresentação de Jesus de “Encontro”. É o primeiro encontro do Messias com a Cidade Santa, Jerusalém (cf. Ml 3,1). Ele vem como “Luz para iluminar as nações e ser glória de Israel, seu povo” (Lc 2,29-32; Is 42,6; 49,6). Por isso, a liturgia faz, na Festa do Encontro, em 2 de fevereiro, uma procissão com velas. Aí, a Igreja-Esposa vai ao encontro do Messias-Esposo com as lâmpadas acesas, prefigurando o Encontro no final dos tempos. Assim a Igreja deve viver e ser: Esposa vigilante e paciente, que aguarda o seu Senhor! 

5. Jesus encontrado no Templo por José e Maria 
Leitura: Lc 2,41-52 
Este último mistério gozoso, misturando cores dolorosas e gozosas, apresenta-nos algumas lições simples, discretas e profundas: 
A simplicidade de José e de Maria que, como judeus piedosos, vão a Jerusalém para as festas de Israel. 
O Bar-Mitzá de Jesus: aos doze anos, ele se torna “filho do preceito”: sendo considerado adulto em Israel, poderia agora ler na sinagoga e explicar a Lei. Jesus foi verdadeiramente homem, verdadeiramente judeu... Na simplicidade de sua vida, Deus ia enchendo de sentido a simples vida humana e ia cumprindo, isto é, realizando o judaísmo e, assim, superando-o... 
Jesus é encontrado “três dias depois” na Casa do Pai – assim ele o será de modo pleno e definitivo após a Ressurreição. Assim nós o poderemos encontrar para sempre, de modo definitivo, ressuscitado, na Casa do Pai, por toda a eternidade! 
A angústia de José e Maria, procurando Jesus. A fé e a amizade com Deus não nos livram das tensões, problemas e surpresas da vida. Mas, a Sagrada Família foi vivendo tudo humildemente, na fé, guardando tudo no coração, mesmo sem compreender. Crer não é compreender tudo; crer é abandonar-se, é entregar-se... é caminhar como se visse o invisível... O mesmo vale ante a misteriosa resposta de Jesus, que deixou seus pais desconcertados. José e Maria, muito cedo, começaram a perder Jesus para o Pai; tudo, na vida deles, foi colocado a serviço de Deus e do seu Reino... e isso, na simplicidade de cada dia, sem barulho, sem dramalhões nem holofotes... 
Jesus no Templo, entre os doutores, é a própria Sabedoria de Deus, que se faz presente para nos iluminar. É impressionante a consciência desse Manino: só o Pai é importante, só o Pai é sua última opção e compromisso. 
Finalmente, o modo doce como Lucas termina a narrativa: a vida simples em Nazaré, a submissão de Jesus a seus pais, o dia-a-dia vivido na alegria, na simplicidade, na humildade, diante de Deus e dos homens. Nada é tão belo como uma vida normal, vivida sem dramas nem falsos conflitos; nada agrada tanto a Deus; nada é tão monástico e cristão. Mas só os simples são capazes disso...


 

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