Maria é Rainha de Misericórdia
Maria é, pois, Rainha. Mas saibamos todos, para consolação nossa, que é uma Rainha cheia de doçura e de clemência, sempre inclinada a favorecer e fazer bem a nós pobres pecadores. Quer por isso a Igreja a saudemos nesta oração com o nome de Rainha de Misericórdia. O próprio nome de rainha, considera S. Alberto Magno ¹, denota piedade e providência para com os pobres, enquanto que o de imperatriz dá ares de severidade e rigor. A magnificência dos reis e das rainhas consiste em aliviar os desgraçados, diz Sêneca. Enquanto que os tiranos governam tendo em vista apenas seu interesse pessoal, devem os reis procurar o bem de seus vassalos. Por isso na sagração dos reis se lhes unge a testa com óleo. E o símbolo da misericórdia e benignidade de que devem estar animados para com seus súditos.
Devem, pois, os reis principalmente empregar-se nas obras de misericórdia, mas sem omitir, quando necessário, a justiça para com os réus. Não assim Maria. Bem que seja Rainha, não é rainha de justiça, zelosa do castigo dos malfeitores. É Rainha de Misericórdia, inclinada só à piedade e ao perdão dos pecadores. Por isso quer a Igreja que expressamente lhe chamemos Rainha de Misericórdia.
Eu ouvi – diz o Salmista – estas duas coisas: que o poder é de Deus e que é vossa a misericórdia (SL 61, 12,13). Considerando o afamado chanceler de Paris, João Gerson, as palavras de Davi, disse: Consistindo o reino de Deus na justiça e na misericórdia, o Senhor dividiu: o reinado da justiça reservou-o para si, e o reinado da misericórdia o cedeu a Maria. E ainda o Senhor ordenou que pelas mãos de Maria passariam, e ao seu arbítrio seriam conferidas todas as misericórdias dispensadas aos homens. Isto mesmo confirma um escritor no prefácio das Epístolas Canônicas, escrevendo: Quando a Santíssima Virgem concebeu o Divino Verbo e deu à luz, obteve metade do reino de Deus: tornou-se Rainha de Misericórdia e Jesus ficou sendo Rei da justiça.
O Eterno Pai constituiu Jesus Cristo Rei de justiça e fê-lo por conseguinte Juiz universal do mundo. Vem daí a exclamação do Salmista: Dai, ó Deus, ao rei a vossa equidade, e ao filho do rei vossa justiça (SL 71,2). Pelo que diz um douto intérprete: Senhor, destes a vosso Filho a justiça, porque à Mãe do rei entregastes a misericórdia. Aqui S. Boaventura tece belo comentário à citada passagem, dizendo: Dai, ó Deus, vosso juízo ao Rei e vossa misericórdia à sua Mãe. Ernesto, Arcebispo de Praga, também diz que o Eterno Pai deu ao Filho o ofício de julgar e punir, e à Mãe o ofício de socorrer e aliviar os miseráveis. Por isso profetizou o mesmo profeta Davi, que o próprio Deus (por assim dizer) consagrou Maria Rainha de misericórdia, ungindo-a com óleo da alegria. “Por isso te ungiu o teu Deus com o óleo da alegria” (SL 44,8). E isso para que todos nós, miseráveis filhos de Adão, nos alegrássemos, considerando que temos no céu esta Rainha toda cheia de unção, misericórdia e piedade para conosco, observa Conrado de Saxônia.
Muito bem aplica S. Alberto Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi figura de Maria, nossa Rainha. No cap. 4 do livro de Ester se lê que, reinando Assuero, saiu um decreto condenando á morte todos os judeus. Então Mardoqueu, que era um dos condenados á morte, recomendou a sua salvação a Ester. Pediu-lhe que interpusesse o seu valimento junto ao rei, a fim de que revogasse a sentença. Ao princípio Ester recusou fazer este favor, temendo irritar ainda mais Assuero. Repreendeu-a Mardoqueu, mandando-lhe dizer que não pensasse só em salvar-se a si, pois o Senhor a tinha posto sobre o trono para obter a salvação de todos os judeus. “Não te persuadas de que, por isso que estás na casa do rei, salvarás tu só a vida entre todos os judeus” (Est 4,13). Essas palavras de Mardoqueu a Ester, nós, pobres pecadores, podemos repeti-las a Maria, nossa Rainha, se ela em algum tempo se recusar alcançar-nos de Deus o perdão do castigo, de nós bem merecido. Não cuideis, Senhora, que Deus vos elevou a ser Rainha do mundo só para bem vosso. Se tão grande vos fez, é para que mais vos compadecêsseis, e melhor pudésseis socorrer nossas misérias.
Assuero, quando viu Ester na sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha pedir: Qual é o teu pedido? Respondeu-lhe a rainha: Meu rei, se em algum tempo achei graça aos teus olhos, dá-me o meu povo, pelo qual te rogo (7,3). E Assuero a ouviu e atendeu, ordenando logo que se revogasse a sentença. Ora, se Assuero, por amor a Ester, lhe concedeu a salvação dos judeus, como poderá Deus, cujo amor por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se recomendam? Se em algum tempo achei graça aos teus olhos, dá-me o meu povo – repete-lhe a Virgem Santíssima. Bem sabe a divina Mãe que é bendita e bem-aventurada, que é a única entre as criaturas que achou a graça perdida pelos homens. Bem sabe que é a predileta de seu Senhor, por ele querida acima de todos os anjos e Santos. Se me amais, Senhor, – diz-lhe então – dai-me estes pecadores pelos quais vos rogo. E é possível que o Senhor a deixe desatendida? Quem ignora o poder das preces de Maria junto de Deus? A lei da clemência está em sua língua, diz o Sábio (Pr 31,26). Toda súplica sua é como uma lei estabelecida pelo Senhor, para que se use de misericórdia com todos aqueles por quem Maria interceder. O autor dos Sermões sobre a Salve Rainha indaga por que motivo a Igreja intitula Maria Santíssima Rainha de Misericórdia. E responde: para que acreditemos que Maria abre o oceano imenso da misericórdia de Deus a quem quer, quando quer, e como quer. Pelo que não há pecador, nem o maior de todos, que se perca, se Maria o protege.
¹ Canonizado e declarado Doutor da Igreja, por Pio XI, em 1931.
Obs.: Trecho retirado do livro Glórias de Maria, de Santo Afonso Maria de Ligório
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