1. Depois de ter refletido sobre a dimensão Mariana na vida eclesial, dispomo´nos agora a pôr em evidência a imensa riqueza espiritual que Maria comunica à Igreja, com o seu exemplo e a sua intercessão.
Desejamos, antes de mais, deter´nos a considerar brevemente alguns aspectos significativos da personalidade de Maria, que oferecem a cada fiel indicações preciosas para acolher e realizar plenamente a própria vocação.
Maria precedeu´nos na via da fé: crendo na mensagem do anjo, ela é a primeira a acolher, e de modo perfeito, o mistério da Encarnação (cf. Redemptoris Mater, 13). O seu itinerário de crente inicia ainda antes do princípio da maternidade divina e desenvolve´se e aprofunda´se durante toda a sua experiência terrena. É audaz a sua fé, que na Anunciação crê no humanamente impossível e em Caná impele Jesus a realizar o primeiro milagre, provocando a manifestação dos seus poderes messiânicos (cf. Jo. 2,1´5). Maria educa os cristãos a viverem a fé como caminho empenhativo e envolvente, que, em todas as épocas e situações da vida, requer audácia e perseverança constante.
2. A fé de Maria está ligada à sua docilidade à vontade divina. Crendo na Palavra de Deus, pôde acolhê´la plenamente na sua existência e, mostrando´se disponível ao soberano desígnio divino, aceitou tudo o que lhe era requerido do Alto. A presença da Virgem na Igreja encoraja assim os cristãos a porem´se cada dia à escuta da Palavra do Senhor, para compreenderem o seu plano de amor nas diversas vicissitudes quotidianas, cooperando com fidelidade para a sua realização.
3. Desse modo, Maria educa a comunidade dos crentes para olhar rumo ao futuro, com pleno abandono em Deus. Na experiência pessoal da Virgem, a esperança enriquece´se de motivações sempre novas. Desde a Anunciação, Maria concentra no Filho de Deus, encarnado no seu seio virginal, as expectativas do antigo Israel. A sua esperança revigora´se nas fases sucessivas da vida de Nazaré e do ministério público de Jesus. A sua grande fé na palavra de Cristo que tinha anunciado a sua ressurreição ao terceiro dia, não a fez vacilar nem sequer diante do drama da Cruz: ela conservou a esperança no cumprimento da obra messiânica, esperando sem hesitações, depois das trevas da Sexta´Feira Santa, a manhã da ressurreição.
No seu difícil peregrinar na história, entre o ´já´ da salvação recebida e o ´não ainda´ da sua plena realização, a comunidade dos crentes sabe que pode contar com o auxílio da ´Mãe da Esperança´ que, tendo experimentado a vitória de Cristo sobre as potências da morte, lhe comunica uma capacidade sempre nova de espera do futuro de Deus e de abandono às promessas do Senhor.
4. O exemplo de Maria faz com que a Igreja aprecie melhor o valor do silêncio. O silêncio de Maria não é só sobriedade no falar, mas sobretudo capacidade sapiencial de fazer memória e de acolher, num olhar de fé, o mistério do Verbo feito homem e os eventos da sua existência terrena. É este silêncio´acolhimento da Palavra, esta capacidade de meditar no mistério de Cristo, que Maria transmite ao povo crente. Em um mundo cheio de confusão e de mensagens de todo o gênero, o seu testemunho faz apreciar um silêncio espiritualmente rico e promove o espírito contemplativo.
Maria testemunha o valor de uma existência humilde e escondida. Normalmente todos exigem, e por vezes pretendem, poder valorizar inteiramente a própria pessoa e as próprias qualidades. Todos são sensíveis à estima e à honra. Os Evangelhos referem em várias ocasiões que os Apóstolos ambicionavam os primeiros lugares no reino, discutiam entre si quem era o maior e que Jesus lhes teve de dar, quanto a isto, lições sobre a necessidade da humildade e do serviço (cf. Mt. 18,1´5; 20, 20´28; Mc. 9,33´37; 10,35´45; Lc. 9,46´48; 22,24´27). Maria, ao contrário, jamais desejou as honras e vantagens de uma posição privilegiada; procurou sempre cumprir a vontade divina, levando uma existência segundo o plano salvífico do Pai.
A quantos não raro sentem o peso duma existência aparentemente insignificante, Maria manifesta quanto pode ser preciosa a vida, se é vivida por amor de Cristo e dos irmãos.
5. Maria, além disso, testemunha o valor duma vida pura e repleta de ternura por todos os homens. A beleza da sua alma, totalmente doada ao Senhor, é objeto de admiração para o povo cristão. Em Maria a comunidade viu sempre um ideal de mulher, cheia de amor e de ternura, porque viveu na pureza do coração e da carne. Perante o cinismo duma certa cultura contemporânea que, muitas vezes, parece não reconhecer o valor da castidade e banaliza a sexualidade, separando´a da dignidade da pessoa e do projeto de Deus, a Virgem Maria propõe o testemunho duma pureza que ilumina a consciência e conduz a um amor maior pelas criaturas e pelo Senhor.
6. E ainda: aos cristãos de todos os tempos, Maria mostra´se como aquela que prova uma viva compaixão pelos sofrimentos da humanidade. Essa compaixão não consiste somente numa participação afetiva, mas traduz´se numa ajuda eficaz e concreta diante das misérias materiais e morais da humanidade. A Igreja, seguindo Maria, é chamada a assumir uma atitude idêntica para com os pobres e todos os sofredores da terra. A atenção materna da Mãe do Senhor às lágrimas, às dores e às dificuldades dos homens e das mulheres de todos os tempos, deve estimular os cristãos, de modo particular ao aproximar´se do terceiro milênio, a multiplicar os sinais concretos e visíveis dum amor que faça os humildes e os sofredores de hoje participarem nas promessas e esperanças do mundo novo, que nasce da Páscoa.
7. O afeto e a devoção dos homens para com a Mãe de Jesus ultrapassam os confins visíveis da Igreja e impelem os ânimos a sentimentos de reconciliação. Como uma Mãe, Maria quer a união de todos os seus filhos. A sua presença na Igreja constitui um convite a conservar a unanimidade de coração, que reinava na primeira comunidade (cf. At. 1,14) e, por conseguinte, a procurar também as vias da unidade e da paz entre todos os homens e todas as mulheres de boa vontade.
Na sua intercessão junto do Filho, Maria pede a graça da unidade do gênero humano, em vista da construção da civilização do amor, superando as tendências à divisão, às tentações da vingança e do ódio, e à fascinação perversa da violência.
8. O sorriso materno da Virgem, reproduzido em boa parte na iconografia mariana, manifesta uma plenitude de graça e de paz que quer comunicar´se. Essa manifestação de serenidade do espírito contribui de modo eficaz para conferir um rosto jubiloso à Igreja.
Acolhendo na Anunciação o convite do anjo a alegrar´se (Káire=alegra´te: Lc. 1,28), Maria é a primeira a participar na alegria messiânica, já predita pelos profetas para a ´filha de Sião´ (cf. Is. 12,6; Sof. 3,14´15; Zac. 9,8), e transmite´a à humanidade de todos os tempos.
O povo cristão, invocando´a como ´causa nostrae laetitiae´, descobre nela a capacidade de comunicar a alegria que nasce da esperança mesmo no meio das provas da vida e de guiar quem a ela se confia para a alegria que não terá fim.
* L´Osservatore Romano, Ed. Port. n.47, 25/11/95, pag. 12(576) DO Livro: A VIRGEM MARIA ´ 58 CATEQUESES DO PAPA JOÃO PAULO II
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