terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Santa Gemma Galgani e suas experiências com o demônio

Para purificar os Seus escolhidos e fazer deles vítimas de expiação, Deus serve-Se muitas vezes de satanás que, com o seu ódio ao homem, é em Suas mãos o instrumento mais ativo. A Santa Escritura e sobretudo os registros da hagiografia oferecem-nos exemplos numerosos desta conduta da Providência Divina.

Quando o Senhor quis elevar São Paulo da Cruz a um grau mais eminente de santidade, disse-lhe no íntimo da sua alma: “Fazer-te-ei calcar aos pés pelos demônios”. Gema ouviu também um dia palavras semelhantes: “Prepara-te, minha filha; por minha ordem o demônio vai declarar-te guerra e dar, por esta forma, o último retoque à obra que realizei em ti”.

Podemos dizer que esta guerra foi geral, isto é, dirigida contra cada uma das virtudes e práticas por meio das quais a jovem virgem se esforçava em caminhar para Deus. Todas desagradavam ao anjo do mal, que as atacou com ódio feroz. Dir-se-ia que, no exercício do seu tenebroso império, não tinha outra preocupação senão perseguir esta pobre menina e procurar meios de a assaltar com tentações.

A oração é o alimento vital da santidade, o supremo caminho que conduz ao Soberano Bem. Desde há muito que Gema a amava e praticava com todo o ardor da sua alma e devia-lhe bens inapreciáveis. O que não fez satanás por afastar a donzela da oração! Nada podendo conseguir com as suas inspirações perversas, provocava-lhe violentas dores de cabeça que teriam levado uma alma menos enérgica antes à indolência e ao repouso que à oração; experimentava mil outros meios para a desviar deste exercício divino.

Oh! dizia-me ela, que tormento para mim o não poder orar! Que fadiga eu sofro! E que esforços faz esse velhaco (assim chamava ao demônio) para me tornar a oração impossível! Ontem à noite queria matar-me, e tê-lo-ia feito se não fosse a rápida intervenção de Jesus. Eu estava desfalecida, tinha bem gravado na minha alma o Nome de Jesus, mas não me era possível proferí-lo com a língua
Algumas vezes o infernal inimigo tentava triunfar de um só ímpeto por meio de sugestões ímpias. “Que fazes tu, lhe dizia,és louca de orar a um malfeitor? Vê como ele te atormenta e te conserva consigo sobre a cruz. Porventura podes amar quem não conheces e quem trata tão duramente os seus melhores amigos” Estas blasfêmias não eram mais que poeira lançada ao vento, mas afligiam profundamente a alma terna e amante, obrigada a ouvir ultrajar assim o seu adorável Jesus.

No meio de tantos sofrimentos, a pobre menina procurava algum conforto no seu pai espiritual, apresentava-lhe as suas dificuldades, implorava conselho e direção. Este humilde e filial recurso não agradava ao espírito das trevas, que via assim diminuir as suas já tão pequenas probabilidades de êxito. Usou de mil artifícios para isolar na luta a Serva de Deus, afastando-a do diretor espiritual. Pintou-lho com as mais desprezíveis cores: como ignorante, um fanático, um iludido. “Nos últimos dias, escrevia-me ela, o maldito fez-me ‘boas’ [peças]. Este monstro queria privar-me do meu guia e conselheiro para me perder; não tenho, porém, receio de que o consiga.”



Parece que esta confiança em Deus deveria desarmar satanás, mas não desarmou. Perante a inutilidade de suas pérfidas insinuações, recorreu à violência física. Logo que Gema tomava a pena para me escrever, tirava-lha das mãos e rasgava o papel; algumas vezes, agarrando-a pelos cabelos, arrancava-a de junto da mesa com tal raiva que lhe ficavam nas mãos brutais madeixas inteiras; e ao mesmo tempo uivava com voz furiosa: “Guerra, guerra a teu pai espiritual, guerra enquanto ele estiver no mundo!’ Seja-me lícito dizer, aqui só entre nós, que nunca passou das palavras. “Acreditai-me, Padre, dizia Gema, ao ouvi-lo, vê-se que este velhaco odeia muito mais a vós do que a mim.”


O demônio levou a audácia até ao ponto de tomar as aparências do seu confessor ordinário. Um dia acabava a menina de entrar na igreja e preparava-se, esperando pelo sacerdote, para a recepção do sacramento da Penitência. Mas qual não foi o seu espanto ao vê-lo imediatamente no seu posto, sem que pudesse saber por onde é que tinha entrado! Sentiu uma grande perturbação interior, que era nela indício infalível da presença do espírito maligno. Entretanto aproximou-se e começou a confissão. A voz que ouvia era realmente a do confessor ordinário, mas as palavras eram escandalosamente indecentes e acompanhadas de atos desonestos. “Meu Deus, exclamou Gema, que é isto e onde estou eu?” A pura menina, tremendo dos pés à cabeça, permaneceu por um instante estonteada, depois sossegou, levantou-se, saiu do confessionário e verificou então que o pretendido confessor tinha desaparecido, sem que nenhuma das pessoas presentes o visse ir.

Não havia dúvida: o demônio procurava com este artifício grosseiro surpreender a santa menina ou pelo menos tirar-lhe toda a confiança no ministro de Deus.

Tendo falhado este golpe, tentou outro. Apareceu sob a forma de um belo anjo resplandecente de luz e cheio de solicitude pela sua felicidade. Como com Eva no paraíso terrestre, empregou a mais sutil astúcia para conseguir enganá-la. “Olha para mim, dizia ele, posso tornar-te feliz; jura somente que me obedecerás.” Gema, que desta vez não tinha sentido a perturbação reveladora da presença do demônio, ouvia tranquilamente. Mas, logo às primeiras propostas criminosas do espírito perverso, os olhos se lhe abriram e ela se pôs na defensiva. “Meu Deus, Maria Imaculada, exclamou a princípio,vinde em meu auxílio!” Depois, avançando resolutamente para o anjo disfarçado, escarrou-lhe na cara. Desapareceu imediatamente sob a forma duma grande chama vermelha, deixando no assoalho do quarto um montão de cinza.


Algum tempo depois, novo assalto.
Ouvi, Padre: escrevia-me Gema, ontem entrava eu em casa, depois de ter me confessado. Aproveitando o momento de solidão, pus-me de joelhos para recitar a Coroa das Cinco Chagas. Ia a chegar à quarta Chaga quando vi diante de mim uma pessoa muito parecida com Jesus. Estava flagelado de há pouco e do seu coração aberto corria sangue em abundância. Disse-me : ‘É assim, minha filha, que me correspondes? Considera o estado em que me encontro. Vês como sofro por ti? E não podes continuar a consolar-me com essas penitências? E no entanto era bem pouca coisa; podias muito bem retomá-las. – Não, não respondi, quero obedecer e desobedeceria se vos atendesse. – Mas enfim, o confessor que tas proibiu foi esse… Ora, tu de nenhum modo estás obrigada a obedecer-lhe. – E acrescentou muitas mais coisas. Nestes perniciosos conselhos reconheci satanás, e estava para tomar a disciplina, como das outras vezes em iguais circunstâncias, quando me senti diferentemente inspirada. Levantei-me, lancei-lhe água benta e desapareceu. Recuperei então a paz, não sem ter recebido alguns golpes com que a besta vil me gratifica de tempos a tempos.”

Não obtendo outra coisa, o espírito do mal procurava assim levar Gema, contra a proibição do diretor espiritual, a penitências prejudiciais à saúde.

Para protegê-la contra as visões maléficas, ordenei-lhe que a cada aparição sobrenatural exclamasse: Viva Jesus! Nosso Senhor, sem eu o saber, tinha-lhe dado um conselho quase igual. Gema devia dizer: Benditos sejam Jesus e Maria. A dócil menina, para obedecer a ambos, juntava as duas exclamações. Os bons espíritos repetiam-nas sempre, mas os maus ou não respondiam ou se limitavam às primeiras palavras: Viva, benditos. Por este sinal eram reconhecidos, e Gema escarnecia deles.


 
Com a esperança de lhe inspirar o orgulho, o demônio mostrava-lhe algumas vezes em sonhos, ou mesmo estando acordada, uma procissão de pessoas vestidas de branco que se aproximavam piedosamente do seu leito para a venerar. Descobria-lhe também que as cartas para seu pai espiritual eram religiosamente conservadas com o fim de servirem um dia à sua glória, etc., etc. Vãs tentações, a Serva de Deus era suficientemente humilde para não se deixar levar como Eva pela sedução da vaidade.

Supondo abalar talvez a sua grande confiança em Deus, o maldito aproveitava as ocasiões tão freqüentes de abandono e de cruel aridez espiritual para aumentar em sua alma o horroroso temor da condenação. “Não vês, lhe dizia, que Jesus não te escuta, que já te não quer conhecer? Para que afadigar-te em correr após ele? Só te resta resignar-te com a tua desgraçada sorte” Para os santos foi sempre esta tentação a mais angustiosa. Gema experimentava-lhe toda a violência; mas habituada a recorrer a seu Deus, apesar de tudo e em todas as circunstâncias, com a mais viva fé, como uma criança recorre a seu pai, depressa recuperava a serenidade. Por isso podia dizer-me: “Este celerado cansa-se; quereria … Mas Jesus com suas palavras inspirou-me tal tranqüilidade que todos os esforços diabólicos não poderiam tirar-me a confiança por um só momento.”

O anjo da soberba, furioso de ver que toda a sua astúcia se malograva aos pés duma humilde donzela, em último recurso tirou definitivamente a máscara, passando a atos de violência. Aparecia-lhe sob as formas horríveis dum monstro ameaçador, dum homem feroz, dum cão raivoso. Depois de ter assim procurado aterrorizá-la, precipitava-se sobre ela, batia-lhe, rasgava-lhe a pele, atirava-a dum lado para outro no quarto como se fora uma rodilha; arrastava-a pelos cabelos e martirizava de todas as maneiras possíveis os seus inocentes membros. E não julguemos que tudo isso se limitava a impressões puramente imaginárias, porque os efeitos sobre o corpo da vítima persistiam por muito tempo: cabelos arrancados, carnes lívidas, ossos quase esmagados, dores atrozes. Algumas vezes ouvia-se o barulho das pancadas, via-se o leito mudar de lugar e elevar-se da terra para cair bruscamente. Estes vexames duravam sem interrupção horas inteiras e algumas vezes toda noite.


Deixemos Gema falar a este respeito. A simplicidade do seu estilo e a ingênua sinceridade da sua alma dispensam-nos de fazer comentários.

Hoje, que me julgava livre desta besta vil, fui muito molestada por ela. Ia para me deitar, esperando poder dormir; não sucedeu, porém, assim. A princípio recebi uma pancada das mais terríveis, de que pensei morrer. O malvado tinha a forma dum grande cão negro, e punha-me as patas sobre os ombros. Tratou-me de tal modo que em um dado momento supus ter os ossos todos quebrados. Pouco depois, como eu tomasse água benta, torceu-me o braço com extrema violência e caí em dor. Os ossos estavam completamente deslocados, Jesus, porém, veio repô-los no seu lugar, tocando-os, e tudo ficou remediado.”
Em outra carta:
Também ontem o demônio me afligiu. Minha tia mandou-me que fosse encher os jarros do quarto. Ao passar com os jarros na mão, diante da imagem do Coração de Jesus, dirigi-lhe com amor uma prece fervorosa; imediatamente senti darem-me sobre os ombros uma bastonada tão forte que cai por terra, sem nada quebrar. Ainda hoje me sinto muito mal e menor trabalho me causa dor.”

A santa menina escrevia-me ainda:
Acabo de passar, como de costume, uma noite má. O demônio apresentou-se diante de mim sob a figura de um imenso gigante e bateu-me durante toda a noite, dizendo: para ti já não há esperança de salvação, estás em meu poder. Respondi que nada temia porque Deus é misericordioso. Então, espumando de raiva, deu-me uma grande pancada na cabeça e desapareceu gritando: maldita sejas. Fui para o quarto repousar um pouco, mas tornei a encontrá-lo lá. Começou de novo a bater-me com uma corda toda aos nós. Batia-me por eu me opor a fazer o mal que sugeria. Não, lhe dizia eu; e ele redobrava as pancadas, batendo-me violentamente com a cabeça no chão. De repente tive a lembrança de implorar o auxílio do divino Pai de Jesus e exclamei: Pai Eterno, livrai-me pelo sangue preciosíssimo de Jesus. Imediatamente o velhaco deu-me uma pancada formidável, atirou-me abaixo da cama e fez-me bater a cabeça no chão com tanta violência que perdi os sentidos com a dor. Só muito tempo depois os recuperei. Demos graças a Jesus.”

Estas cenas repetiam-se muito freqüentemente, e, em certas épocas todos os dias. A pobre padecente estava quase habituada a elas. Excetuando as torturas corporais, podemos dizer que a vista do monstro infernal já não a atemorizava. Olhava-o com a mesma serenidade com que a pomba olha para um animal imundo. Gema algumas vezes entretinha-se a responder-lhe e a humilhá-lo, quando não estava proibida de o fazer; e, quando à invocação do Santíssimo Nome de Jesus, a hedionda besta se rolava por terra para fugir em seguida a toda pressa, a ingênua menina acompanhava-a com zombarias e francas gargalhadas. “Se vísseis, Padre, como ele fugia e tropeçava em sua fuga raivosa, ter-vos-ieis rido comigo.” Assistia eu uma ocasião à piedosa menina, gravemente doente e em perigo de vida. Sentado a um canto do quarto rezava tranquilamente o Breviário, quando um enorme gato muito preto e de aspecto terrificante me saltou impetuosamente para os pés. Deu uma volta pelo quarto, saltou para o leito da doente e colocou-se muito perto do seu rosto, fixando nela um olhar feroz. O sangue gelou-me nas veias; Gema, porém, permanecia muito serena. Então! Que há de novo? Lhe disse eu, ocultando o melhor possível a minha atrapalhação. – Não tenhais medo, Padre, é esse velhaco do demônio que quer molestar-me, mas não temais, a vós não fará mal nenhum. A tremer aproximei-me do leito, tomei água benta e aspergi-o. A visão desapareceu imediatamente, sem ter conseguido alterar por um só momento a paz profunda da doente.

A única coisa que aterrava verdadeiramente Gema era o receio de ceder às sugestões do inimigo e ofender a Deus. Embora nunca tivesse caído durante o passado, o perigo parecia-lhe iminente e conservava-a aterrorizada. Não esquecia nenhum meio de defesa: Cruz, relíquias dos Santos, escapulários, exorcismos, e, acima de tudo, recurso filial a Deus, a Maria Santíssima, ao Anjo da Guarda e ao diretor de sua alma. Escrevia-me:

Vinde depressa, Padre, ou ao menos daí fazei exorcismos, porque o demônio persegue-me por todos os modos; ajudai-me a salvar a alma, tenho medo de já estar nas mãos de satanás. Ah! Se soubésseis como sofro! Como ele estava contente esta noite! Agarrou-me pelos cabelos e puxava por eles dizendo: desobediência! desobediência! Quero concluir desta vez, vem, vem comigo! Queria levar-me para o inferno. Atormentou-me durante mais de quatro horas. Foi assim que se passou a noite. Tenho receio de o atender um dia ou outro e vir a desagradar a Jesus.”

Em algumas raríssimas ocasiões o Senhor permitiu ao demônio apoderar-se de todo o seu ser, ligar as potências da sua alma e perturbar-lhe a imaginação a tal ponto que se poderia julgar possessa. Causava dó vê-la neste estado miserável. Ela mesma tinha-lhe um tal horror que, só com lembrar-se dele, empalidecia e começava a tremer. “Ó Deus, dizia ela, estive no inferno sem Jesus, sem a divina Mãe, sem o Anjo! Se saí de lá sem pecado só a Vós o devo, ó Jesus. Apesar de tudo, estou contente, porque sofrendo assim e sofrendo sempre, faço a Vossa santíssima Vontade.” Se estes assaltos do demônio se tivessem repetido mais vastas vezes ou tivessem sido de mais longa duração, a pobre padecente, apesar de muito resignada, teria com certeza perdido a vida. A estas atribulações juntavam-se as dores de cruéis doenças, provocadas, como temos fortes razões para o crer, pelo próprio espírito infernal. E se refletirmos que Gema estava ao mesmo tempo miraculosamente associada a todos os tormentos sofridos pelo divino Redentor na Sua Paixão, teremos uma idéia da grandeza do martírio desta virgem heróica, que se tinha oferecido em holocausto ao Senhor.

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