domingo, 11 de agosto de 2019

Mãe da santa esperança

A Mãe que ensina a confiar
Conta-nos São Lucas, no Evangelho, que no dia da Visitação, Santa Isabel, movida pelo Espírito Santo, louvou Nossa Senhora com estas palavras: Feliz a que acreditou, porque se cumprirão todas as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor (Lc 1,45). Maria acreditou e, do solo fecundo da sua fé, brotou a esperança como uma planta viçosa, como uma fonte cristalina, como um diamante único, indestrutível. Por isso a Igreja a chama Mãe da santa esperança, e por isso nós a invocamos como Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa… Não são apenas belas palavras. Têm um conteúdo profundo. Descrevem a missão que Jesus lhe confiou em relação aos seus irmãos – a nós, que somos todos irmãos de Jesus (cf. Rm 8,29) e filhos de Maria (Jo 19, 26).
Quando Jesus nos deu Maria como Mãe, no momento solene da agonia na Cruz, quis garantir-nos a esperança. É verdade que a nossa esperança deve estar, toda ela, colocada em Deus. Deus, e só Deus, é o motivo e a fonte radical da esperança. Mas Ele deu-nos uma Mãe – a sua Mãe – para que, com o calor de seu coração, nos ensinasse a confiar; para que estendesse a mão a estas pobres crianças suas que somos nós, para que as guiasse e as introduzisse no mundo maravilhoso da esperança.
Uma das orações mais antigas dirigidas a Nossa Senhora é aquela que ainda hoje os católicos piedosos sabem de cor: “À vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as súplicas que em nossas necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Rogai por nós, santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo”. É uma expressão da confiança filial em Maria que nos encaminha para a esperança plena em Deus.
Na verdade, o Espírito Santo – inspirador da Sagrada Escritura – deixou-nos motivos mais do que suficientes para que aprendêssemos a confiar na “Esperança nossa”. Bastaria lembrar a cena das bodas de Caná (Jo 2,1-11), onde a petição de Maria – suave, discreta, sussurrada ao ouvido – obteve de Jesus o seu primeiro milagre, a transformação da água em vinho.
Naquela festa de bodas, começou a faltar o vinho. Maria teve pena dos noivos. Aquilo podia estragar a alegria singela do banquete. Então falou com seu Filho: Não têm vinho! A resposta de Jesus pôde parecer um balde de água fria – Mulher, isto nos compete a nós? A minha hora ainda não chegou – , mas Maria não achou que fosse assim, e com toda a paz disse aos serventes: Fazei tudo o que ele vos disser… ; e não precisou de fazer mais. Jesus mandou, na hora, encher de água umas grandes talhas que lá estavam e depois indicou que fosse servido o seu conteúdo aos convidados: foi o melhor vinho da festa!
Maria adiantou assim, misteriosamente, a hora dos milagres de Jesus. E graças a esse primeiro milagre, obtido pela intercessão da Virgem, o Evangelho diz que Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele. Tudo, pela solicitude de Maria, pela ternura do seu coração. Se Jesus fez isso, a pedido de Maria, o que não fará por nós? É como se Ele próprio nos estivesse dizendo: “Vocês vêem? Confiem na Mãe! Eu a ouvirei sempre! Ela conseguirá tudo de mim!”
A Mãe de misericórdia
É por isso que os santos e os bons teólogos a chamam a “onipotência suplicante”, uma maneira hiperbólica – mas realista – de referir-se ao poder das súplicas de Maria diante de Jesus. São Bernardo, o “trovador da Virgem”, gostava de compará-la ao aqueduto que recebe a água da fonte (a água da graça, da fonte que é Deus) e a faz chegar a nós, da mesma maneira que um aqueduto recolhia então a água das montanhas e a conduzia até os povoados. E assim dizia: “Recebendo a plenitude (da graça) da própria fonte do coração do Pai, no-la torna acessível… Com o mais íntimo, pois, da nossa alma, com todos os afetos do nosso coração e com todos os sentimentos e desejos da nossa vontade, veneremos Maria, porque esta é a vontade daquele Senhor que quis que tudo recebêssemos por Maria”.
Que confiança, que consolo isto nos dá! Não é verdade que, às vezes, o que mais nos custa é esperar na misericórdia divina, porque vemos que não a merecemos, e que Deus, sendo justo, deveria castigar-nos, especialmente depois de tantos arrependimentos efêmeros, de tantas reincidências meio cínicas? E, no entanto, nem no pior dos casos devemos desesperar da misericórdia de Deus, mesmo que nos sintamos afundados – como o filho pródigo – na mais espessa, suja e viscosa lama do pecado. Nessa triste situação, ninguém como Maria para ajudar-nos a confiar na misericórdia de Deus. Ela é Mãe. Não tenhamos medo, por mais sujos e machucados que estejamos. Ela não deixará de propiciar um bom banho aos seus meninos. Ela nos moverá a ter arrependimento, ela nos levará – se for preciso, pela orelha — até à confissão, e nos carregará finalmente no colo, limpos e felizes.
“Se eu fosse leproso – escrevia São Josemaría Escrivã -, minha mãe me abraçaria. Sem medo nem repugnância alguma, beijar-me-ia as chagas. – Pois bem, e a Virgem Santíssima? Ao sentir que temos lepra, que estamos chagados, temos de gritar: Mãe! E a proteção de nossa Mãe é como um beijo nas feridas, que nos obtém a cura”.
A poderosa intercessora
A confiança em Nossa Senhora sempre foi tão grande entre os bons cristãos, que alguns até “exageraram”. Mas exageraram de uma maneira bonita, assim como se amplia um detalhe de uma flor belíssima, muito além do seu tamanho normal, para poder apreciá-la melhor. Não há “mentira” nisso! Um exemplo entre mil são uns versos do “poeta da esperança”, o francês Charles Péguy, que põe na boca de Deus Pai as seguintes palavras (deliciosamente “exageradas”):
“Eu não vi no mundo – diz Deus – nada mais belo que uma criança que adormece fazendo a sua oração (…).[o poeta estende-se, em versos tocantes, falando da maravilha que é a criança que dorme rezando, e aí nenhuma das coisas bonitas que diz é exagero].
“Nada é tão belo! – continua a dizer Deus -. E este é mesmo um ponto em que a Virgem Santa está de acordo comigo. Lá em cima (no Céu).
“Inclusive, eu posso dizer que este é o único ponto em que estamos plenamente de acordo. Pois geralmente os nossos pareceres são contrários.
“Porque ela está do lado da misericórdia,
“E eu…, bem, é preciso que eu esteja do lado da justiça”.
Esses versos fazem sorrir (e até comovem um pouquinho), mas são “verdadeiros” pelo sentimento de confiança em Maria que transmitem. Junto dela, só um cego espiritual, um tolo… ou um demônio, podem perder a esperança.
Foi assim que o entenderam os cristãos desde o começo. Não podemos esquecer o que nos mostra a Sagrada Escritura, nos Atos dos Apóstolos, logo depois da Ascensão do Senhor. Jesus tinha-se despedido recomendando aos seus que permanecessem em Jerusalém, até que sejais revestidos da força do Alto (Lc 24,49), ou seja, até a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Pois bem, no livro dos Atos diz-se que todos – os Apóstolos, os discípulos, as santas mulheres – obedeceram, e se reuniram, durante dez dias, no Cenáculo, com Maria, a Mãe de Jesus. Lá, junto dela, como uma família apinhada em torno da mãe, perseveravam unanimemente na oração (At 1,14) . Junto de Nossa Senhora, tornava-se fácil cumprir o que Jesus mandara. Sempre é assim! A única coisa que ela nos pede é o que pediu aos serventes de Caná: Fazei tudo o que Ele vos disser. E ela fica junto de nós para nos ajudar a cumpri-lo.
Por isso, uma vida espiritual impregnada de devoção a Nossa Senhora é uma vida espiritual sadia, voltada inteiramente para o cumprimento da Vontade de Deus. “Antes, sozinho, não podias… – dizia Mons. Escrivá -. – Agora, recorreste à Senhora, e, com Ela, que fácil!”
Quem quer a graça de Deus, a Ela recorre
É uma experiência universal na história do cristianismo. Dante Alighieri deixou-a maravilhosamente expressa no canto trinta e três do “Paraíso” da “Divina Comédia”, o último canto do livro, que começa com uma oração de São Bernardo à Virgem Maria, um cântico que, entre outras coisas, diz assim:
“Ó Virgem mãe, filha do teu Filho,
humilde e alta mais que criatura alguma,
termo imutável dos desígnios divinos […]
…Cá no Céu, tu és para nós sol radiante
de amor; e em baixo, entre os mortais,
és uma fonte viva de esperança.
Senhora, és tão grande e tanto podes,
que quem quer graça e a ti não recorre
o seu desejo quer voar sem asas. […]
…Em ti, misericórdia; em ti, piedade,
em ti magnificência, em ti se junta
quanto há nas criaturas de bondade….
Mesmo que a tradução faça perder o sabor inexprimível do texto italiano, mantém a alma desses versos.
Anteriores a Dante são umas palavras anônimas, cheias de devoção, que alguém rabiscou num manuscrito medieval, falando das rosas que compõem o “rosário” de Maria: “Quando a bela rosa Maria começa a florescer, o inverno das nossas tribulações se desvanece e o verão da eterna alegria começa a brilhar”. É popular, é muito simples, mas é muito expressivo.
Confiar em Maria como uma criança confia na mãe
Na realidade, a nossa confiança em Maria não só deve ser simples – como a fé do povo mais simples – , mas deve adquirir a pureza e a singeleza total da infância. Podemos dizer que a nossa confiança só será perfeita quando, como Jesus nos pede, nos transformarmos e nos fizermos como crianças (Mt 18,3).
A este propósito, penso que vale a pena evocar uma lembrança de há bastantes anos. Trata-se de um pequeno episódio da vida de um padre de aldeia, de dois metros de altura, ossudo e desengonçado como um don Camilo de Guareschi, e que foi meu amigo. Aconteceu que, na altura do Natal, seguindo o costume da sua terra, preparava-se para receber algum presente trazido na corcunda dos camelos pelos Reis Magos. Nessa ocasião, seguindo um sistema do tipo do “amigo secreto”, os “reis magos” íamos ser um grupo de colegas, padres como ele. Cada um escreveria uma carta aos Reis, fazendo o pedido. O nosso don Camilo (que se chamava Pedro) escreveu esta:
“Meus caros Reis Magos:
Muito embora sempre vos tenha amado e pedido favores, especialmente quando fazeis a vossa visita à terra, não vos tinha escrito desde faz, se bem me lembro, uns trinta anos. Eu era então um garoto com muitos sonhos na cabeça, que se foram apagando com o decorrer do tempo. Mas agora acontece que, graças a Deus, torno a sonhar, muito embora os sonhos sejam, naturalmente, diferentes dos que tinha então. O meu desejo atual é o de tornar a ser criança, apesar da minha respeitável estatura, para assim conseguir de vós quanto deseja e precisa meu coração de menino. Sim, o que para mim eu quero é isto: que me alcanceis a infância espiritual, para que sempre possa caminhar agarrado à mão de Deus; pois provavelmente vos seria meio difícil conceder-me a infância corporal. A Providência divina fez-me também pai de umas boas centenas de almas, que amo entranhadamente, e para as quais vos peço muita saúde espiritual, visto que há muitas que estão doentes. Com a certeza de que me haveis de conceder o que vos peço, beijo as vossas mãos benfazejas”.
Os Rei Magos atenderam seu pedido, e ele recebeu como presente uma imagem de Nossa Senhora, linda, com um olhar de mãe, com um sorriso cálido de mãe, que fazia com que qualquer um se sentisse, perto dela, uma criança amparada, totalmente aconchegada…
Como história puxa história, aí vai outro belo episódio dos tempos atuais. Um dos maiores poetas do século vinte foi Paul Claudel, um diplomata francês que se converteu ao catolicismo, por graça de Nossa Senhora, certa vez em que assistia – sem fé – a uma Missa natalina na catedral de Nôtre-Dame de Paris. Maria tocou-lhe o coração, alcançando-lhe do Espírito Santo a graça da fé, e o meteu para sempre no coração de seu Filho Jesus. Claudel tornou-se um grande católico e foi um dos maiores poetas e dramaturgos do seu século. A graça da sua conversão ficou-lhe tão gravada na alma que, sempre que podia, dava uma passada por Nôtre-Dame, entrava na catedral e ficava a olhar para a imagem da Senhora, da Mãe que o salvara. Ele mesmo, num dos seus poemas, descreve qual era, nessas ocasiões, a sua oração. A tradução dá uma idéia dela, ainda que, como toda tradução, desbote o colorido do original:
É meio-dia. Vejo a igreja aberta. É preciso entrar.
Mãe de Jesus Cristo, não venho rezar.
Nada tenho a oferecer e nada a pedir.
Mãe, venho apenas olhar para ti.
Olhar para ti, chorar de alegria, recordar
que sou teu filho e que tu estás aqui.
Apenas um instante, enquanto tudo pára.
Meio-dia!
Estar contigo, Maria, neste lugar onde tu estás.
Nada dizer, olhar para o teu rosto,
Deixar o coração cantar em sua própria linguagem […]
…porque tu és a Mãe de Jesus Cristo,
que é a verdade entre os teus braços e a única esperança… […]
Porque estás aqui para sempre, simplesmente porque tu és Maria,
simplesmente porque existes,
Mãe de Jesus Cristo, nós te agradecemos!
Esta é que é a verdadeira devoção a Maria. Isto é o que devemos colocar em cada Ave Maria, em cada Terço, em cada Salve Rainha, em cada oração silenciosa, em cada jaculatória da ladainha, em cada olhar e em cada suspiro filial…
Agradeçamos a Jesus a Mãe que nos deu, porque – com ela – é impossível perder a esperança. Digamos-lhe, com palavras da antiqüíssima antífona Salve, Rainha: Vida, doçura e esperança nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei!
[Adaptação de um capítulo do livro Cristo, minha esperança (Quadrante, 2003), de F. Faus]

https://www.padrefaus.org/2017/05/04/mae-da-santa-esperanca/

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