quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

"A CHEIA DE GRAÇA"


O louvor que o Espírito Santo inspirou a Isabel – “Bendita és tu entre as mulheres...” – vem
ecoando ao longo dos séculos nos lábios dos cristãos, todas as vezes que recitam a
Ave-Maria.
Antes, porém, desse louvor, esses mesmos lábios dirigem a Maria outras palavras, que também são de Deus: “Cheia de graça!”
Qual foi a grande “bênção” de Maria Santíssima, aquela que a faz “bendita entre todas as
mulheres”? Por que é Ela chamada “cheia de graça”?
No centro do mistério da vida de Maria, encontra-se a sua divina maternidade. Deus a
escolheu para ser a Mãe do seu Filho, do Redentor dos homens. Esse é o grande dom com que Deus abençoou a Virgem: a sua vocação de Mãe de Jesus Cristo.
O Evangelho relata que um dia – alegre e esperançado como uma nova alvorada do mundo
– Deus quis revelar a Maria essa sua escolha. A narração de São Lucas tem um encanto delicado: o Anjo Gabriel, enviado por Deus à humilde casa de Nazaré,
entrando onde ela estava, disse-lhe:
Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo
. A Virgem sentiu-se perturbada ao ouvir essas palavras, e o mensageiro do céu a tranqüilizou: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que
conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Este será grande,
será chamado Filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; reinará sobre
a casa de Jacó eternamente, e o seu Reino não terá fim
(Lc 1, 26-33).
Através das palavras do Anjo, descortina-se aos olhos de Maria o plano de Deus a seu
respeito. Deus, por assim dizer, manifesta-lhe aquilo que eternamente “sonhara” para Ela. Neste
“sonho” da Santíssima Trindade, estava previsto o aparecimento de uma mulher, “cheia de graça”,
que haveria de surgir no mundo como a aurora da Salvação, a luz de um novo amanhecer que
anunciaria e traria aos homens o Sol verdadeiro, o Salvador, que – como diz São João –
ilumina
todo o homem que vem a este mundo
(Jo 1, 9).
Já nos primórdios da humanidade, quando o pecado dos nossos primeiros pais cavava um
abismo entre o homem e Deus, o Senhor contrapunha ao mal do pecado o seu desígnio de Salvação: um “projeto” amoroso de Deus, fruto da sua infinita misericórdia, para resgatar e reerguer o homem, e atraí-lo de novo a si.
Pois bem, nesse projeto “acalentado” pelo amor eterno de Deus, já desde o começo estava
presente Maria. Assim fala Deus à serpente, a Satanás, após a queda original:
Porei inimizades
entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela; esta te esmagará a cabeça
(Gên 3, 15). Com
estas palavras, Deus opõe ao Inimigo a imagem futura de uma “mulher” irreconciliavelmente
enfrentada com o demônio e o pecado. Nela, Satanás jamais terá parte alguma.
Voltemos à Anunciação. Neste momento, Deus dirige-se a Maria – por intermédio do Anjo
– denominando-a, já no começo, “cheia de graça”. Tem-se feito notar que, no texto original do
Evangelho, o Anjo, para dizer “cheia de graça”, emprega uma só palavra (
kekharitoméne), e que
essa palavra tem o valor de um “nome novo” atribuído por Deus à Virgem[NOTA DE
REFERÊNCIA: João Paulo II, Enc.
Redemptoris Mater, n. 8;]. Seria como que o nome
“verdadeiro” com que o Senhor a designa e define. Para traduzi-lo adequadamente na nossa língua, teríamos que recorrer a perífrases: “a que foi cumulada de graça e mantém essa plenitude”, “a que foi feita gratíssima a Deus”, “a muito amada por Deus”.
Deus Nosso Senhor, cumulando Maria de graça, preparou-a desde o primeiro instante da sua
existência para ser a digna Mãe do seu Filho, a nova “Arca da Aliança”, toda pura e santa, capaz de acolher em seu seio a santidade infinita de Deus.
Maria foi escolhida e predestinada por um ato do amor eterno de Deus. E o amor de Deus é
sempre criador; comunica às criaturas a sua bondade, fá-las participar da vida divina, da graça. O
amor de Deus por Maria foi único, e a Ela comunicou os seus dons também de modo único: em
plenitude. Por isso Ela é a “
cheia de graça”. Bem podemos dizer que, em toda a história da
humanidade – sem mencionarmos a alma de Jesus –, a alma de Maria foi a
única em que o Amor
de Deus agiu plenissimamente e sem o menor entrave. Com toda a razão foi dito, por isso, que
Maria é a “obra prima de Deus”[NOTA DE REFERÊNCIA: cfr. Josemaría Escrivá,
Amigos de
Deus
, 2ª. ed., Quadrante, São Paulo, 1979, págs. 229 ss.;].
“Cheia de graça”: este é o seu “verdadeiro nome”[NOTA DE REFERÊNCIA: Enc.
Redemptoris Mater
, n. 8;]. Lê-se numa homilia do Papa Paulo VI: “O aparecimento de Nossa
Senhora no mundo (...) foi como o abrir-se sobre a terra, toda coberta da lama do pecado, da mais
bela flor que jamais desabrochou no vasto jardim da humanidade: era o nascimento da criatura
humana mais pura, mais perfeita, mais digna da definição que o próprio Deus tinha dado ao homem quando o criou: imagem de Deus, semelhança de Deus. Maria nos restitui a imagem da humanidade perfeita”[NOTA DE REFERÊNCIA: Paulo VI,
Homilia, 08.09.1964;].
Em Maria, tudo é graça. Jamais pairou sobre Ela a sombra, sequer, do pecado. Foi toda de
Deus desde o primeiro instante da sua existência, de modo que a sua alma pura não conheceu nem a mancha do pecado original nem mancha alguma de pecado pessoal.
O dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima outra coisa não fez senão explicitar
uma das conseqüências dessa “plenitude de graça” que não tem no Evangelho restrição alguma de
tempo nem de momento: “Por uma graça e um privilégio especial de Deus todo-poderoso – reza a
definição dogmática de Pio IX, em 8 de dezembro de 1854 – e em atenção aos méritos de Jesus
Cristo, Salvador do gênero humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada de toda a
mancha de pecado original desde o primeiro instante da sua concepção”[NOTA DE
REFERÊNCIA: Pio XI, Bula
Ineffabilis Deus; in Denzinger, Enchiridion Symbolorum, V. Herder, Friburgo-Barcelona, 1955, n. 1641;].
Maria Santíssima sabe que Deus fez nEla “coisas grandes”, e essas grandezas são motivo
para que Ela glorifique a Deus, reconhecendo, com uma humildade cheia de alegria, que
Ele pôs os olhos na baixeza da sua serva (Lc 1, 48-49). Tudo é puro dom de Deus, e Maria o agradece
comovida.
Ora, se tudo é dom de Deus, qual foi a parte de Maria? Ter-se-ia Ela limitado a uma função
de receptora passiva de tão grandes graças? A cena evangélica da Anunciação nos dá a resposta a essas perguntas: Maria
correspondeu à chamada e às graças que a acompanhavam com uma
aceitação amorosa e uma entrega total. A semente da graça encontrou na sua alma o solo acolhedor e fértil onde frutificar.
Não esqueçamos que Deus sempre quer contar com a liberdade das criaturas. O anúncio do
Anjo a Maria, ao mesmo tempo que desvendava os planos de Deus sobre Ela, tinha o delicado
acento de um convite. Maria correspondeu livremente com total fidelidade:
Eis aqui a escrava do
Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra
(Lc 1, 38).
Essas palavras – “faça-se”, “sim” – mostram-nos maravilhosamente a alma de Maria.
Voltada inteiramente para Deus, Ela é um “sim” perfeito ao Senhor, pronunciado com o coração,
com os lábios e com as ações, sem a menor restrição nem limite. Há uma abertura completa da
alma a Deus, que permite que o Espírito Santo, o Artista divino, modelador das almas, faça daquela criatura a sua obra perfeita.*
Quantas coisas não fez Deus depender do “sim” de Maria! Desse “sim” dependeu o próprio
“sonho” divino a respeito de Nossa Senhora. Pela sua fidelidade, Ela foi sempre, exatamente, como Deus a queria; e na sua alma inteiramente disponível à ação da graça divina, arraigaram e
cresceram as virtudes que são o fruto maduro da santidade: a fé, a esperança, o amor, a humildade, a fortaleza, a mansidão...
Ao mesmo tempo, do seu “sim” dependeu o “projeto” divino da Redenção. Tão logo Maria
disse “faça-se” – com amorosa liberdade –,
o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). A
partir desse instante, – para evocar as palavras do velho Simeão –, graças a Maria,
os nossos olhos viram a salvação (cfr. Lc 2, 30).
Por último, quando Maria disse “sim” na Anunciação, não só começou a ser a Mãe de Deus,
como começou a ser a Mãe daqueles a quem Cristo iria infundir a vida sobrenatural, tornando-os
seus “irmãos” e membros do seu Corpo (cfr. Rom 8, 29 e I Cor 12, 27).
Este último aspecto convida-nos a aprofundar um pouco mais no mistério da maternidade de
Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe.


FRANCISCO FAUS
MARIA, A MÃE DE JESUS

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